quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Os labirintos de Foucault

Torci. Pra falar verdade ainda torço. Exatamente como fazia quando criança. Figa para que aquilo que desejava muito desse certo. Dedinhos cruzados.
É assim que aguardo a aparição de Paula. Pasma, perplexa. Mas fazendo figa.
A se confirmarem as declarações da polícia - que vazaram para a imprensa suiça - Paula teria admitido que forjou uma história de agressão e ainda mentiu sobre a gravidez de gêmeos.

Zuenir Ventura escreveu, em sua coluna do Globo, que essa é a história mais desconcertante já presenciada por ele em 50 anos de jornalismo.
A palavra é essa: desconcertante. Mais forte ainda, ACACHAPANTE.

Insisto. Ainda acredito que o ser humano seja " fabricado" com uma grossa camada de bondade e honestidade sob a pele que esconde o vaivém frenético do sangue no corpo.
Lamento, e muito, que as notícias sobre a crueldade humana suplantem em quantidade e requintes as informações que recebemos sobre solidariedade, cumplicidade e compaixão .

Que labirintos ou meandros sombrios convocam a mente humana a construir histórias como essa, que mobilizou um país inteiro ?
Todos torcemos. Todos xingamos os agressores e a polícia suiça.

E agora? Vamos torcer para que Paula não tenha inventado tudo apenas pelo dinheiro de um suposto seguro? Torcer por um distúrbio emocional que amenizaria a sordidez de mais um plano mirabolante?
Que falta fazem as análises de Foucault....

domingo, 15 de fevereiro de 2009

JOSÉ PADILHA E SUA GARAPA DA FOME

A reação da platéia, ao final da exibição do documentário GARAPA, do diretor brasileiro José Padilha, foi absolutamente silenciosa. O público lotou o Cinestar, em Berlim, para conferir a mais nova realização do ganhador do Urso de Ouro de 2008, com TROPA DE ELITE.

A reação teria sido um elogio, comentou um espectador, diante do que ele sentiu como perplexidade do público. Pode ser.
Na verdade, GARAPA é um filme sobre a fome. A fome brasileira e mundial retratada a partir do cotidiano de três famílias cearenses.
Ainda não vi o filme. Mas quero muito ver. Inclusive porque Padilha, desta vez, optou por um filme mais lento, com muito menos ação e sem a agitação da turma do BOPE. Isso quer dizer que seremos obrigados a olhar mesmo para as crianças famintas - com as pernas cobertas de feridas e moscas - e para a luta das famílias, principalmente das mulheres, na busca insana por alguma tipo de alimento.

GARAPA é um bebida feita de água e açucar que substitui o leite na mamadeira das crianças miseráveis.
O que achei ainda mais interessante foi Padilha ter chamado a atenção da mídia, em Berlim, ao exigir para o combate à fome o mesmo engajamento dos governos em relação à crise econômica mundial.
O diretor recheou com números o seu discurso. Em todo o mundo morrem, a cada dia, cerca de 16 mil crianças - de fome ou de doenças relacionadas à subnutrição. Padilha afirmou o que todos nós sabemos: os políticos ignoram o problema, que poderia ter sido resolvido utilizando os recursos aplicados em armamentos (1,5 trilhão de dólares gastos em 2008). "30 bilhões de dólares anuais bastariam para o combate à fome mundial. Mas o fenômeno, embora tão grave, continuou sendo ignorado também na era da crise econômica mundial. Já foram utilizados mais de um trilhão de dólares para salvar os bancos e a fome não é vista ainda como prioridade pelos políticos".

Até quando assistiremos a essa torneira gigante que despeja grana direto nos cofres falidos dos bancos? Bancos que foram as empresas mais lucrativas neste início de século 21?
Será que nenhuma mudança de comportamento, ideológica mesmo, surgirá desta crise globalizada? O capitalismo e seus maestros, feridos de morte, escolherão o contorcionismo como forma de agonia? E nós, atores e vítimas, adotaremos a dança do ventre para empurrar com a barriga a sucessão de crimes financeiros e o horror da fome que aflige pelo menos 900 milhões de pessoas em todo o planeta?

A ver. E sofrer.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O preconceito e a dúvida


Pesquisa realizada pelas Fundações Perseu Abramo e Rosa Luxemburgo escancarou o que a turma da geral já sabe: apenas 1% da população brasileira com mais de 16 anos NÃO têm preconceito contra homossexuais. Quase 30% assumem que não gostam de gays, lésbicas, travestis ou transexuais. E tem mais: a cada 3 dias do ano passado cometeu-se pelo menos um crime de ódio por orientação sexual no país.

Para quem não acredita e entrega o preconceito às mãos do Divino todo misericordioso, aqui vai: 66% dos 2.014 brasileiros ouvidos em 150 cidades acreditam piamente que a homossexualidade é um pecado contra as leis de Deus. Outros optaram pela homossexualidade como doença. Mas, atenção, uma doença que precisa ser tratada.

O governo federal encomendou a pesquisa e, ainda bem que sensibilizado, vai lançar, em maio, o Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT. Cogita-se também o planejamento de novas políticas diante do espectro sombrio da...................INTOLERÂNCIA!!!! E engula essa: 70% dos entrevistados consideram que o governo não deve se envolver na situação!

Ora pois, como assim? Faz muito bem o nosso governo em se envolver e em combater a falta de educação e de respeito pelas opções do OUTRO. A outra pessoa que você vê todos os dias na rua. Aquele ser humano que caminha ao seu lado mas, certamente, não pensa e não age como você ou como eu.

É isso mesmo, tupiniquins, somos intolerantes e preconceituosos. Ou alguém acreditava que aqui nos trópicos tudo seguia em harmonia no que diz respeito à opção sexual de cada brasileiro? Necas de pitibiribas. A INTOLERÂNCIA é a dama de companhia deste século 21. Olhe para qualquer pontinho do mapa mundi e encontrará um exemplo cabeludo.

Dito isso, recomendo um filme que está em cartaz e que tem tudo a ver com a INTOLERÂNCIA. É "DÚVIDA" (Doubt), com Meryl Strep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis. Grandes interpretações para mostrar o perigo da intolerância diante da dúvida. Aquele momento em que você acredita ter certeza de que a sua opinião é a correta, apesar de evidências em contrário. O instante em que você decreta o fim da dignidade do outro com o seu poder de acusar, mesmo na dúvida. O filme é americano. Se fosse europeu, tenho certeza que seria muito mais indigesto. Mas é bem feito, bem dirigido e lindamente executado por atores brilhantes em seus respectivos papéis. Dá até pra perdoar o excesso de melodrama em algumas cenas.

O importante é entender que a intolerância e o arrependimento tardio podem corroer o coração até o final de todos os nossos dias. A certa altura do filme, um personagem central afirma algo como: " a virtude - o amor e compaixão - é a grande arma contra a maldade da alma humana".

Em que momento da infância a intolerância começa a ser inoculada em nossas crianças?

domingo, 8 de fevereiro de 2009

As ideologias, o terrorismo e, lá longe, o caso Battisti

Alguém declarou, há tempos, que nestes tempos pós-modernos o conceito de DIREITA E ESQUERDA não existe mais. Que o fracasso do socialismo, em várias partes do mundo, foi o golpe de misericórdia nas ideologias.
Alguns argumentaram que o capitalismo tinha vencido e que era dentro dele que cabia a nós, sobreviventes, discutir o que poderia ser feito para " aprimorar" o sistema.
Bullshit.
Quanto mais avançamos no século 21 mais claro fica, pra mim, que acordamos, respiramos e vamos dormir pensando e agindo de forma ideológica. Isso pode ser extremamente positivo, principalmente se pararmos para pensar de que maneira a NOSSA (minha, sua) DIFERENÇA pode afetar o outro e toda a comunidade.
O preconceito, a falta de educação, a violência, o racismo, a ostentação, o autoritarismo, a falta de honestidade... fazem parte do cotidiano de pessoas que escolheram viver assim. São atitudes ideológicas, mesmo que o sujeito que as execute não tenha plena consciência do fato.
Tribos existem, todas temos as nossas. O problema é quando a Tribo A quer destruir a Tribo B sem direito a discussão ou argumentação.

Tudo isso passou pela minha cabeça quando comecei a tentar entender o caso Battisti. Entre amigos muito próximos, as opiniões demarcam claramente de que lado da balança cada uma dessas pessoas se posiciona. Conceder ou não asilo político, extraditar ou não o cara, todas essas questões geraram debates que resumem - pro bem, pro mal ou pra coluna do meio - quem somos nós e o que pensamos da vida e do capitalismo, sistema econômico e social vigente neste planeta quase em frangalhos.

Poderoso, criminoso, agonizante, o sistema capitalista e seus mentores usam o fracasso do socialismo para eliminar, dos corações mais jovens, o sonhos e a batalha por um mundo mais justo e igualitário.
Foi nessa discussão sobre o Caso Battisti e sobre quem é e quem não é terrorista que nosso grupo recebeu, de uma pessoa muito querida, o texto que reproduzo abaixo :

Então somos todos criminosos - a esquerda, por tentar acabar com a exploração cometendo erros horríveis e a direita, por tentar manter a exploração cometendo erros horríveis.
Menachen Begin e Itzak Shamir, tão terroristas antes da criação do Estado de Israel e tão Primeiros Ministros depois.
Dan Mitrione, que ensinava tortura no Cone Sul, é considerado quase um herói nos EUA. Talvez os tupamaros que o executaram fossem só criminosos baixos porque Stalin cometeu suas atrocidades.
Até o tão democrático estado americano - que fez a Lista Negra nos anos 50 e aceitou o afogamento e outras metodologias pouco ortodoxas nos nossos dias atuais - pode e deve ser considerado bonzinho porque é democrático e Mao cometeu suas atrocidades.
Israel tem mesmo que bloquear Gaza por 19 meses - nem ajuda humanitária entra - e bombardear a torto e a direito - lapidar a explicação de que a população de Gaza dava suporte ao terrorismo por votar no Hamas - porque houve terror de estado nos satélites soviéticos.
Já que Cuba também cometia seus desatinos, tortura nesses latinoamericanos de merda e os milhares de desaparecidos na argentina, chile, brasil, uruguai, paraguai, méxico etc - ad nauseam - no fundo estavam aprontando das suas.
E nem falamos ainda do arqui-criminoso Khmer Vermelho.

O fato é que o status quo considera, e sempre considerou, criminoso comum qualquer um que o ameace. Aí o discurso bonzinho acaba. E vamos concordar que o atual status quo está nos convencendo, a cada dia que passa, que não é bom se revoltar. Já que se cometeu tantos crimes do lado de lá, parem de reclamar e nos deixem falir o mundo à vontade, demita-se milhões e, silêncio por favor, que temos de prestar socorro aos que faliram o mundo. Esqueçam os nossos possíveis excessos pontuais porque os deles é que são criminosos. Às vezes dá vontade de vomitar.
Acho que a denúncia dos crimes cometidos pelo socialismo, no poder ou fora dele, não pode nos levar a quase aceitar o que o sistema capitalista fez e continua fazendo. Tanto no terreno da exploracão quanto no da repressão. O capitalismo é criminoso de berço e, pelo menos, a intenção socialista é boa. Por mais que a prática não recomende.
É bom lembrar que os socialistas, comunistas, etc... só apareceram porque nosso status quo já estava explorando, reprimindo, etc...
A luta por uma sociedade igualitária passou por muita luta, muito sofrimento. Ou nós já revisamos os crimes do tzar, dos imperialistas na China, dos Batistas em Cuba?
Nenhuma brutalidade deles, nada para embrulhar nossos estômagos?
Pelo que o capitalismo já fez com o mundo, acho que devemos pelo menos considerar que houve excesso na legítima defesa. Porque este sistema não pode ser considerado bom.


por Antonio Henrique Lago

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009



A organização JEWISH VOICE FOR PEACE está fazendo circular, pela internet, uma carta aberta ao presidente Obama. A carta pede o fim do bloqueio econômico e financeiro à Faixa de Gaza. Entrei em contato com a organização quando fui saber mais sobre os jovens israelenses que se recusam a prestar o serviço militar. Eles discordam das táticas de ocupação adotadas pelo governo de Israel. Hoje, recebi uma newsletter com essa carta aberta e também com algumas notícias sobre Gaza pós massacre. O que me chamou a atenção foi a declaração de um morador de Gaza:

" Enquanto aguardava sua vez na fila da única padaria aberta na região, o morador de Gaza Mohamed Salman comentou com alguém: vou comprar alguma coisa que minha família possa conservar no máximo por dois dias. É que estamos sem eletricidade e sem geladeira. Não dá para guardar nenhum alimento por mais tempo que isso".
Mohamed fez esse comentário em JANEIRO DE 2008!!!! Hoje, muitas padarias de Gaza estão fechadas porque também não têm luz. Algumas não conseguem comprar nem a farinha para fazer o pão.
O bloqueio de Israel inviabilizou o mínimo de dignidade no dia-a-dia dos moradores de Gaza. A população não tem acesso ao básico fundamental: pão, água limpa, medicamentos e eletricidade.

Lembra da frase YES, WE CAN? POis então. Vamos lembrar ao Obama que SIM,NÓS PODEMOS não vale apenas como marketing eleitoral. Entre no site e assine a carta.É o que podemos fazer neste momento:
http://salsa.democracyinaction.org/o/301/petition.jsp?petition_KEY=1814

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Médicos Sem Fronteiras e as maiores crises humanitárias de 2008

A organização humanitária que mais admiro e respeito é MÉDICOS SEM FRONTEIRAS (MSF). A presença e a atuação do MSF são fundamentais para vários países do mundo, principalmente os que atravessam crises decorrentes de guerras, doenças e desnutrição.

No Brasil desde 1991, o MSF, hoje, tem uma base importantíssima no Complexo do Alemão, aqui no Rio de Janeiro. São esses profissionais da saúde que, em plena guerra do tráfico, ainda conseguem atender e transportar os doentes e as vítimas desse conflito sangrento que mancha a dignidade de todo cidadão carioca.

Em dezembro, o MSF produziu e divulgou mais uma lista com as 10 Maiores Crises Humanitárias de 2008. Relacionada com as tarefas médicas de emergência da organização, a lista procura gerar mais conhecimento sobre a magnitude das crises que podem ou não aparecer nos jornais. E que muitas vezes não aparecem.

Somália, Mianmar, Sudão, República Democrática do Congo, Região Somali da Etiópia, Zimbábue, Iraque e Paquistão, Desnutrição Infantil e Co-infeção HIV/TB (tuberculose) foram as mais graves crises humanitárias do ano passado.

De acordo com a organização, os governos estão ignorando a crise da desnutrição infantil. Veja o que diz o relato do MSF:
" Este ano o governo do Níger forçou o cancelamento do programa de nutrição infantil de MSF na sofrida região de Maradi, onde dezenas de milhares de crianças sofrem de desnutrição aguda. Como resultado, elas não receberam o tratamento adequado e efetivo. Este caso acontece em uma época em que os esforços para progredir na luta contra a desnutrição no mundo são mais possíveis – e necessários – do que nunca. A realidade no campo é que MSF e a comunidade humanitária são incapazes de fazer nem sequer o suficiente para as populações que precisam de ajuda médica vital", afirma o Presidente do Conselho Internacional de MSF, Dr. Christophe Fournier. "Com a divulgação desta lista, esperamos chamar a atenção para essas pessoas que tanto precisam, depois de ficarem cercadas entre conflitos e guerras, afetadas pelas crises de saúde, e que têm suas necessidades de saúde essenciais e imediatas negligenciadas, essas pessoas que não têm voz".

Você também pode contribuir com o MSF . A entidade sobrevive graças a doações de gente como nós, que acredita na solidariedade e no respeito aos direitos de todos os seres humanos, principalmente os mais vulneráveis à crueldade e à injustiça do sistema de distribuição de renda que vigora em boa parte deste planeta.
Vá ao site http://www.msf.org.br/ e conheça mais sobre sobre MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. Vale a pena.
(A foto deste post mostra uma mãe e uma criança somalis. O fotógrafo é Petterik Wiggers)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

FOI APENAS UM SONHO

O filme de Sam Mendes tem a ver com vazio, falta de esperança, repressão, vontade de explodir e de amar. A ação se passa na década de 50. Mas poderia ser em 2009, com mulheres norteamericanas liberadas e independentes financeiramente. O vazio é atemporal.
O diretor inglês/português escolheu um romance do subestimado Richard Yates. Morto em 1992, o escritor partiu para a eternidade sem ter conseguido comprar de volta os direitos cinematográficos de REVOLUTIONARY ROAD. No Brasil o livro foi lançado pela Alfaguara com o mesmo título do filme, FOI APENAS UM SONHO.

Gostei da performance de Leonardo, o Di Caprio, que a cada filme lapida o seu estilo, apesar do rostinho de menino. Já com Kate Winslet acontece algo muito interessante: a partir de um certo momento, no filme, a máscara que representa um mix de cinismo e desespero vira pele e nos envolve até.........o desenlace. Sentimos raiva e pena de sua April.

Ainda que muitas vezes caricato (por conta do roteiro, não da atuação), o personagem do ator Michael Shannon destila e atira, no casal em crise, suas idéias sobre coragem, covardia e ressentimento. Mas é a interpretação do ator que surpreende: seco, cruel, sem meias palavras, o recém-liberado paciente do hospital psiquiátrico (uma barra pesadíssima na década de 50) destrói as últimas ilusões de April.

Algo em BELEZA AMERICANA, do mesmo diretor, sempre me incomodou. Talvez exatamente a crítica, um tanto histérica, do já famoso moralismo americano. Em FOI APENAS UM SONHO essa crítica amadureceu, na minha opinião. Ficou mais seca, menos melosa. O sonho acabou e saí com uma imensa batata dentro da garganta.