De fato, o ruído do tempo é enorme.Tenho agora indesejados 74 anos (não me venham com melhor idade que eu mato!). Acho que somente agora entendo o quadro geral, ainda assim mais ou menos. Como escreveu Vittorio Gassman, "a experiência é um farol de milha - pena que esteja voltado para trás". Pois é.
Aos 74 e quase meio, também detesto e rejeito! melhor idade é qualquer uma, desde que a gente esteja bem; eu, de moça, não entendia essa insistência dos mais velhos na tal da 'saúde', mas hoje me felicito por estar bem - embora tenha medos, claro, porque Alzheimer na família da mamãe é uma constante, e meu psiquiatra (...atra mesmo, pois há 12 anos fui atingida, como por um tsunami, por uma depressão quase fatal, hoje controlada com remédio - permanentemente sob vigilância, na jaula de onde me rosna) me avisou que tenho 52% de possibilidades, etc etc etc. enfim: quem viver verá. E ,se eu não perceber, pior para os filhos (que é o que mais me apavora, não quero dar trabalho a ninguém).
Outra coisa: se me mandarem prum bailinho da tal da terceira idade (acho que já estou na quinta!) ou jogar dominó na pracinha, eu também MATO!
Um casamento daquele tempo que durou. Mas há outros (nenhum meu, claro). Namorei um pouco bastante, tive um grande amor (Hamlet - esse o nome - jornalista, mora hoje nos Estados Unidos) no começo dos anos 80, viajei muito, 'casei' de novo em 90 com um rapaz 25 anos mais moço do que eu. C. era lindo, além de tudo um grande amigo, soropositivo, e cuidei dele (e nos divertimos!) durante cinco anos, até que ele morreu, aos 30. Eu estava com 55, e me fechei para o mundo. Cinco anos depois, quando consegui 'me abrir' e olhar de novo para os homens, aos 60 anos, ninguém mais me olhava, claro, e assim vou vivendo até os 74 e meio, que se completarão no dia 29 de dezembro. Depois 75, em junho de 2011... e quando me perguntam qual é a primeira coisa que vejo à frente, quando penso no futuro, me divirto dizendo que é o crematório da Vila Alpina - que tenho frequentado muito mais do que gostaria. Será que viver muito é contabilizar perdas?
Trabalhei 34 anos no Estadão - comecei tradutora e acabei ouvidora - de onde fui o último dinossauro demitido, em outubro de 2008. Não consigo pensar em parar de trabalhar - e sei que vc me entende.
Fiz amigos, mais jovens, dou aula no Curso de Focas do Estadão, perdi muitos amigos mais velhos, da minha idade ou mais jovens também.
Falando em idade: um amigo antigo e querido diz que só conhece duas, vivo e morto. Serve.
Escrever sobre cinema e sobre a vida que corre solta mantém meus olhos abertos enquanto o futuro invade, maroto, a minha praia.
sábado, 18 de dezembro de 2010
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
O OUTONO DE NOSSAS VIDAS (por Rosana Tonetti)
“Serra, serra, serrador, serra o papo do vovô.” Quando garotinha, embalada por esta cantiga popular, eu subia nas pernas da minha bisavó que, empinando-as, imitava o sacolejar de um cavalinho. Enquanto eu gargalhava e pedia intermináveis bis, ela, por sua vez, cansada, fazia várias pausas antes de recomeçar. E foi assim, da convivência quase diária com a minha bisa, que fui compreendendo que na mesma proporção que eu desabrochava para a vida, a avó da minha mãe murchava com o pesar dos anos. Aos poucos fui me dando conta de que a velhice era só uma fase anterior de uma passagem só de ida para algum lugar que eu não poderia ir. Pelo menos naquele momento. E como eu ficaria sem a companhia, o carinho e os cuidados daquela mulher que eu amava tanto quanto a minha própria mãe?
E foi deste modo que comecei a temer a morte. Não a minha, mas a das pessoas que me eram caras. Na minha inocência de menina, devotava minhas orações a Deus para pedir que não levasse a minha bisa antes do dia em que eu pudesse aceitar sua partida: “Por favor, Senhor, só quando eu for gente grande”, pedia, com aquela fé que nunca, nem mesmo quando adulta, voltei a experimentar. Ele ouviu minhas preces. Ela nos deixou aos 93 anos quando eu já tinha alcançado os 21.
Quase três décadas depois, continuo a não me preocupar com a morte. Quero dizer, com a minha propriamente. Ela só me abala quando rouba algum ente querido, como o fez com a minha bisa, meu pai, avós e alguns amigos ainda tenra idade. Minhas desavenças com esta lei implacável da natureza é com aquela fase que ocorre logo depois da maturidade. Meu sentimento é que a velhice é o ápice da traição de Deus com a humanidade. Morrer, tudo bem. Afinal, é preciso desbastar o mundo, renovar. Mas envelhecer, ah, isto não. Este é um processo contínuo que só se interrompe quando se coloca o ponto final na existência.
Tenho uma amiga que, ao completar 50 anos, comentou que estava apenas na metade da vida e que já planeja o próximo meio século. Eu hein! Tô fora. Acho que está se inspirando na avó, que chegou aos 102. E não é que a velhinha adora comemorar, exultante e feliz, a cada aniversário! Mesmo na cadeira de rodas, com muita dificuldade para enxergar e quase completamente surda. Sinto muito! Respeito e admiro quem pensa assim, mas não compartilho desta mesma sagacidade pelo viver. A menos que antes de me tornar um maracujá de gaveta a ciência já tenha conseguido vencer este avanço inexorável da decrepitude do corpo humano.
Estou sendo cruel e pessimista? Pode ser. Mas também devo admitir que nem tudo é tão ruim que não tenha o seu lado bom. Quando chegamos ao outono de nossas vidas levamos algumas vantagens! Bem, alguma a gente tinha que angariar, não é mesmo? A consciência de que o relógio cronológico que marca as nossas vidas, em que um dia a mais é na verdade um dia a menos, faz com que gastemos com mais qualidade o nosso tempo.
O acúmulo de experiências nos torna mais sábios, com o intelecto antenado, aguçado. Passamos por cima do supérfluo, das firulas. Pelo menos no meu caso sinto que hoje estou mais paciente e tolerante. Aprendi a segurar o pavio curto. Seleciono melhor as amizades, os relacionamentos afetivos, o lazer, os programas de fim de semana. Além disso, cada vez menos me preocupo com as críticas. Até a minha própria companhia, que eu sempre curti, ganhou mais intimidade.
Se há algo democrático e que não goza de nenhum privilégio entre as classes sociais é o duo formado pela velhice e a morte. Quem não encarar a segunda ainda jovem, terá que ajustar as contas com a primeira lá na frente. E quanto à segunda, infelizmente, não há margem para oferendas ou mesa de negociação.
E foi deste modo que comecei a temer a morte. Não a minha, mas a das pessoas que me eram caras. Na minha inocência de menina, devotava minhas orações a Deus para pedir que não levasse a minha bisa antes do dia em que eu pudesse aceitar sua partida: “Por favor, Senhor, só quando eu for gente grande”, pedia, com aquela fé que nunca, nem mesmo quando adulta, voltei a experimentar. Ele ouviu minhas preces. Ela nos deixou aos 93 anos quando eu já tinha alcançado os 21.
Quase três décadas depois, continuo a não me preocupar com a morte. Quero dizer, com a minha propriamente. Ela só me abala quando rouba algum ente querido, como o fez com a minha bisa, meu pai, avós e alguns amigos ainda tenra idade. Minhas desavenças com esta lei implacável da natureza é com aquela fase que ocorre logo depois da maturidade. Meu sentimento é que a velhice é o ápice da traição de Deus com a humanidade. Morrer, tudo bem. Afinal, é preciso desbastar o mundo, renovar. Mas envelhecer, ah, isto não. Este é um processo contínuo que só se interrompe quando se coloca o ponto final na existência.
Tenho uma amiga que, ao completar 50 anos, comentou que estava apenas na metade da vida e que já planeja o próximo meio século. Eu hein! Tô fora. Acho que está se inspirando na avó, que chegou aos 102. E não é que a velhinha adora comemorar, exultante e feliz, a cada aniversário! Mesmo na cadeira de rodas, com muita dificuldade para enxergar e quase completamente surda. Sinto muito! Respeito e admiro quem pensa assim, mas não compartilho desta mesma sagacidade pelo viver. A menos que antes de me tornar um maracujá de gaveta a ciência já tenha conseguido vencer este avanço inexorável da decrepitude do corpo humano.
Estou sendo cruel e pessimista? Pode ser. Mas também devo admitir que nem tudo é tão ruim que não tenha o seu lado bom. Quando chegamos ao outono de nossas vidas levamos algumas vantagens! Bem, alguma a gente tinha que angariar, não é mesmo? A consciência de que o relógio cronológico que marca as nossas vidas, em que um dia a mais é na verdade um dia a menos, faz com que gastemos com mais qualidade o nosso tempo.
O acúmulo de experiências nos torna mais sábios, com o intelecto antenado, aguçado. Passamos por cima do supérfluo, das firulas. Pelo menos no meu caso sinto que hoje estou mais paciente e tolerante. Aprendi a segurar o pavio curto. Seleciono melhor as amizades, os relacionamentos afetivos, o lazer, os programas de fim de semana. Além disso, cada vez menos me preocupo com as críticas. Até a minha própria companhia, que eu sempre curti, ganhou mais intimidade.
Se há algo democrático e que não goza de nenhum privilégio entre as classes sociais é o duo formado pela velhice e a morte. Quem não encarar a segunda ainda jovem, terá que ajustar as contas com a primeira lá na frente. E quanto à segunda, infelizmente, não há margem para oferendas ou mesa de negociação.
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