“Serra, serra, serrador, serra o papo do vovô.” Quando garotinha, embalada por esta cantiga popular, eu subia nas pernas da minha bisavó que, empinando-as, imitava o sacolejar de um cavalinho. Enquanto eu gargalhava e pedia intermináveis bis, ela, por sua vez, cansada, fazia várias pausas antes de recomeçar. E foi assim, da convivência quase diária com a minha bisa, que fui compreendendo que na mesma proporção que eu desabrochava para a vida, a avó da minha mãe murchava com o pesar dos anos. Aos poucos fui me dando conta de que a velhice era só uma fase anterior de uma passagem só de ida para algum lugar que eu não poderia ir. Pelo menos naquele momento. E como eu ficaria sem a companhia, o carinho e os cuidados daquela mulher que eu amava tanto quanto a minha própria mãe?
E foi deste modo que comecei a temer a morte. Não a minha, mas a das pessoas que me eram caras. Na minha inocência de menina, devotava minhas orações a Deus para pedir que não levasse a minha bisa antes do dia em que eu pudesse aceitar sua partida: “Por favor, Senhor, só quando eu for gente grande”, pedia, com aquela fé que nunca, nem mesmo quando adulta, voltei a experimentar. Ele ouviu minhas preces. Ela nos deixou aos 93 anos quando eu já tinha alcançado os 21.
Quase três décadas depois, continuo a não me preocupar com a morte. Quero dizer, com a minha propriamente. Ela só me abala quando rouba algum ente querido, como o fez com a minha bisa, meu pai, avós e alguns amigos ainda tenra idade. Minhas desavenças com esta lei implacável da natureza é com aquela fase que ocorre logo depois da maturidade. Meu sentimento é que a velhice é o ápice da traição de Deus com a humanidade. Morrer, tudo bem. Afinal, é preciso desbastar o mundo, renovar. Mas envelhecer, ah, isto não. Este é um processo contínuo que só se interrompe quando se coloca o ponto final na existência.
Tenho uma amiga que, ao completar 50 anos, comentou que estava apenas na metade da vida e que já planeja o próximo meio século. Eu hein! Tô fora. Acho que está se inspirando na avó, que chegou aos 102. E não é que a velhinha adora comemorar, exultante e feliz, a cada aniversário! Mesmo na cadeira de rodas, com muita dificuldade para enxergar e quase completamente surda. Sinto muito! Respeito e admiro quem pensa assim, mas não compartilho desta mesma sagacidade pelo viver. A menos que antes de me tornar um maracujá de gaveta a ciência já tenha conseguido vencer este avanço inexorável da decrepitude do corpo humano.
Estou sendo cruel e pessimista? Pode ser. Mas também devo admitir que nem tudo é tão ruim que não tenha o seu lado bom. Quando chegamos ao outono de nossas vidas levamos algumas vantagens! Bem, alguma a gente tinha que angariar, não é mesmo? A consciência de que o relógio cronológico que marca as nossas vidas, em que um dia a mais é na verdade um dia a menos, faz com que gastemos com mais qualidade o nosso tempo.
O acúmulo de experiências nos torna mais sábios, com o intelecto antenado, aguçado. Passamos por cima do supérfluo, das firulas. Pelo menos no meu caso sinto que hoje estou mais paciente e tolerante. Aprendi a segurar o pavio curto. Seleciono melhor as amizades, os relacionamentos afetivos, o lazer, os programas de fim de semana. Além disso, cada vez menos me preocupo com as críticas. Até a minha própria companhia, que eu sempre curti, ganhou mais intimidade.
Se há algo democrático e que não goza de nenhum privilégio entre as classes sociais é o duo formado pela velhice e a morte. Quem não encarar a segunda ainda jovem, terá que ajustar as contas com a primeira lá na frente. E quanto à segunda, infelizmente, não há margem para oferendas ou mesa de negociação.
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