sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CHATÔ, O REI DO BRASIL

O filme começa com festa para os olhos e ouvidos. Uma fotografia exuberante para um personagem que parece ter saído de alguma farsa quase prima-irmã de Macunaíma. 
Achei que Zé Celso Martinez fosse dar o ar de sua graça em pleno set, atraído pelas extravagâncias dionisíacas de Assis Chateaubriand, o empresário que sonhava ser o rei do Brasil.

Não li o livro de Fernando Morais, mas li muito sobre a saga de Guilherme Fontes à frente de seu projeto que, em vários momentos, pareceu inexequível. Isso quer dizer que assisti ao filme sem aquela sensação incômoda de, mesmo sem querer, comparar o resultado cinematográfico com o material autoral que o inspirou.

Se me permitem, preparem-se para uma viagem no tempo. Atores famosos - ontem e hoje - muito mais jovens e, entre eles, alguns que já nos deixaram nesses vinte anos que separam filmagens e exibição. Juventude que também era a nossa em 1995. Um tempo que acompanhou a história recente do Brasil mas deixou outro, mais antigo, adormecido nas latas de filme e na posterior edição digital. Um sono agitado que agora desperta no escurinho do cinema, em 2015.

Marco Ricca veste o seu Assis com cinismo e deboche. A sensação, desde os primeiros minutos, é de que estamos diante de uma comédia rasgada. Sentimento interrompido, vez ou outra, pelas surpresas e viradas embutidas no roteiro. Uma história contada sem compromisso com a linearidade. Uma trama que envolve pelo pitoresco, pelo "over" e pelo inusitado.

O Getúlio Vargas de Paulo Betti transforma o homem que se suicidou num ditador falastrão, frágil e quase atraído pelo sexo feminino. Um personagem sem a depressão daquele vivido por Tony Ramos em outro filme recente. O que me fez imaginar, de imediato, como teria sido um Getúlio Vargas da vida real que combinasse características tão opostas.

CHATÔ, O REI DO BRASIL impressiona como resultado da construção de seu personagem título: um homem grosseiro, amoral, inescrupuloso, violento, narcisista daqueles de quebrar o espelho, machista como ainda o são muitos coronéis nordestinos e priápico por opção, com a ajuda de remedinhos fitoterápicos da época.

Tudo é exagerado. E a solução encontrada para compor e decompor o Chatô de Guilherme Fontes é interessante. A partir do último dia de vida de Assis Chateaubriand vemos um desfile onírico que projeta, na telona, as diferentes fases da existência de um dos maiores empresários de comunicação que o Brasil já conheceu.

Andrea Beltrão incorpora a sensacional e atualíssima Vivi, personagem que nos acompanha desde sempre em terras tupiniquins. Com ela e a partir dela testemunhamos a naturalidade com a qual se corrompe ou se é corrompido. 
A ética está enterrada em algum cofre dos Diários Associados e a política vigente não demonstra vocação alguma para a honestidade. 

CHATÔ é um filme abusado. O Assis Chateaubriand desbocado faz pouco dos princípios que nós, tolinhos, acreditamos como possíveis. Só a linda voz de Letícia Sabatella, ao microfone, projeta alguma candura sobre uma trama que pode ser curtida se deixarmos de lado a vontade de resolver o quebra-cabeça montado, com inteligência, por um roteiro que passou pelas mãos de Carlos Gerbase, Matthew Robbins e tratamento final escrito pelo então ainda pouco conhecido João Emanuel Carneiro, autor do sucesso  "Avenida Brasil" e da atual novela das nove, na Globo, "Regra do Jogo".   


Valeu a pena esperar? Valeu. Mas a vontade que deu - jornalista tem dessas coisas e acho que Fernando Morais não vai se chatear - depois dos créditos finais foi ler o livro como uma espécie de complemento do filme. Entender direitinho vários aspectos, em ordem cronológica, da vida desse homem que dizia sem ficar vermelho: " empregado não tem opinião. Quer dar a sua? Compre o seu jornal". 

E aí, vai para o trono ou não vai? Chacrinha também estava lá.