sábado, 18 de dezembro de 2010

VIVER MUITO É CONTABILIZAR PERDAS? (por Cecilia Thompson)

De fato, o ruído do tempo é enorme.Tenho agora indesejados 74 anos (não me venham com melhor idade que eu mato!). Acho que somente agora entendo o quadro geral, ainda assim mais ou menos. Como escreveu Vittorio Gassman, "a experiência é um farol de milha - pena que esteja voltado para trás". Pois é.

Aos 74 e quase meio, também detesto e rejeito! melhor idade é qualquer uma, desde que a gente esteja bem; eu, de moça, não entendia essa insistência dos mais velhos na tal da 'saúde', mas hoje me felicito por estar bem - embora tenha medos, claro, porque Alzheimer na família da mamãe é uma constante, e meu psiquiatra (...atra mesmo, pois há 12 anos fui atingida, como por um tsunami, por uma depressão quase fatal, hoje controlada com remédio - permanentemente sob vigilância, na jaula de onde me rosna) me avisou que tenho 52% de possibilidades, etc etc etc. enfim: quem viver verá. E ,se eu não perceber, pior para os filhos (que é o que mais me apavora, não quero dar trabalho a ninguém).
Outra coisa: se me mandarem prum bailinho da tal da terceira idade (acho que já estou na quinta!) ou jogar dominó na pracinha, eu também MATO!

Um casamento daquele tempo que durou. Mas há outros (nenhum meu, claro). Namorei um pouco bastante, tive um grande amor (Hamlet - esse o nome - jornalista, mora hoje nos Estados Unidos) no começo dos anos 80, viajei muito, 'casei' de novo em 90 com um rapaz 25 anos mais moço do que eu. C. era lindo, além de tudo um grande amigo, soropositivo, e cuidei dele (e nos divertimos!) durante cinco anos, até que ele morreu, aos 30. Eu estava com 55, e me fechei para o mundo. Cinco anos depois, quando consegui 'me abrir' e olhar de novo para os homens, aos 60 anos, ninguém mais me olhava, claro, e assim vou vivendo até os 74 e meio, que se completarão no dia 29 de dezembro. Depois 75, em junho de 2011... e quando me perguntam qual é a primeira coisa que vejo à frente, quando penso no futuro, me divirto dizendo que é o crematório da Vila Alpina - que tenho frequentado muito mais do que gostaria. Será que viver muito é contabilizar perdas?

Trabalhei 34 anos no Estadão - comecei tradutora e acabei ouvidora - de onde fui o último dinossauro demitido, em outubro de 2008. Não consigo pensar em parar de trabalhar - e sei que vc me entende.
Fiz amigos, mais jovens, dou aula no Curso de Focas do Estadão, perdi muitos amigos mais velhos, da minha idade ou mais jovens também.

Falando em idade: um amigo antigo e querido diz que só conhece duas, vivo e morto. Serve.

3 comentários:

  1. é por essa e por outras que vale na vida ter amigas como a Cecília e como vc...o texto é de um confessional belíssimo... compartilhei no Facebook... beijo pras duas...

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  2. Poucas mulheres vivem com a mesma coragem e verdade que a Cecília. Linda, linda.

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  3. Adorei a crônica da Cecília. Muito bem escrita e reflete uma vida muito rica, apesar das "perdas". Tenho fascinação por histórias de vida, principalmente as contadas pela turma dos mais experientes.
    Sou também tradutora e espero um dia escrever bem como ela. :)
    Grande abraço a você, Tânia, e à Cecília também.

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