quinta-feira, 25 de novembro de 2010

HÓSPEDE INEVITÁVEL (por Patricia Cicarelli)

“Sentir como uma perda irreparável o acabar de cada dia. Para mim, isso é velhice”
(José Saramago)

O envelhecimento físico é inevitável. Percebo que a maioria das pessoas entende a velhice sob esse fardo fatídico. Não o sinto ainda, porém haverá de me atingir. Quando esse momento chegar, espero aprender como dialogar com ele. No entanto, tenho um olhar paradoxal para essa hóspede irremediável, que vem habitar os sobreviventes. Poderia significar um prêmio, mas ela não nos coloca no podium,mesmo cumprindo a trajetória.
A velhice nos torna ou não vitoriosos? A questão causa-me estranheza.É como se participássemos de uma maratona, para cruzarmos a reta final em último lugar. Se possível fosse, seria bom largar e nunca chegar. Aí sim, seríamos campeões, receberíamos o troféu da eternidade.
Espero que essa envelhescência seja larga para mim, já que só envelhece quem vive além. Avançarei nela sem pressa. Afinal, caminhamos tão rapidamente a juventude!
Não sinto o acabar de cada dia como uma perda irreparável. Passei a festejar o dia que nasce, talvez seja esse o primeiro sintoma da minha velhice. Não faz muito descobri o privilégio de existir, a felicidade gratuita de respirar, andar, falar, rir, chorar, amar. É
esplêndido estar viva. Algum poeta, o qual não me recordo, disse que estar vivo não é normal. Concordo.
Quando eu me sentir velha ou envelhecendo, espero ter mais humor para lidar com os limites do meu corpo. Não pretendo brigar com a minha envelhescência - inevitável.Se ela é condição para continuar viva, irei com ela de mãos dadas. Até lá, na reta final, cuidarei para permanecer saudável, o mais lúcida possível e muito produtiva, me apaixonando, escrevendo, escrevendo e escrevendo.
A experiência de viver nos transforma. Nos faz ser e não apenas estar. Como ganhei a vida de presente, faço por vivê-la com plenitude, cada fase até a última gota. “Ah! Farejo Vida” (Shelley) – é verdadeiramente a minha epígrafe.

6 comentários:

  1. oi Paty, lindo texto sobre a envelhescencia... se é mesmo inevitável é preciso tentar a cada dia uma "dita" aproximação para não nos sentirmos alijadas do que acontece a nós mesmas.
    parabéns!!!!

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  2. Texto lindo e sólido como a autora.
    "A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer" - Arnaldo Antunes. Parabéns!!

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  3. Paty, o Rico me encaminhou o blog, indicando seu texto. Achei lindo e calmo, uma brisa que sopra baixinho suas palavras...
    A velhice do estar pra mim sempre pareceu mais dramática. Parabéns!
    By the way, o amor é lindo....rs
    Bjs
    Karen

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  4. Muito legal o texto, Patrícia!

    Lembrei da mesma letra de canção do Ricardo, que acabei de ouvir hoje mesmo na rádio:

    http://letras.terra.com.br/arnaldo-antunes/1547283/

    Passa tanta coisa na nossa cabeça sobre esse assunto, mas "A morte é a origem", então, estaremos cada vez mais próximos do segredo, como diz Borges no final de um poema:

    "Logo saberei quem sou"
    http://www.aguaforte.com/antropologia/borges.htm

    Convido a todos a conhecerem também o nosso blog, que se chama Poenocine, que trata de assuntos culturais, especialmente poesia.

    Aquele abraço,
    Parabéns a Tania,
    Paulo.

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  5. bonito, muito bonito mesmo, mais do que o texto, o sentimento - tão bom - do bom que vem, e que vc tão precocemente está descobrindo... bjos, Olenka

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  6. Pat, adorei "envelhescência", tinha visto o termo há muito tempo e vê-lo de novo aqui me fez sorrir. Apesar dos 36 com carinha de 25, segundo dizem (obrigada pelo mantra que me toca!), por dentro me sinto envelhescente, pois também tenho achado anormal estar viva e agradecido muito por isso, dando valor a cada pequena e incrível coisa do mundo. Final de semana retrasado eu estive numa balada paulistana bem decadente e vi senhoras vestidas de menina e cobertas de botox se agachando até o chão na pista, gritando no banheiro e vomitando na saída. Sinceramente se conseguirmos envelhecer com elegância é o que basta, ahahahah. Te adoro.

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