quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

QUANDO O SABOR DA VIDA PEGA FOGO!


Demorei para querer escrever sobre PEGANDO FOGO (Burnt), a saga culinária do americano John Welles. Foi preciso assistir ao japonês SABOR DA VIDA para que tudo adquirisse um outro sentido em matéria de sensibilidade, se é que posso definir assim as diferentes emoções provocadas pelos dois filmes.

A receita de BURNT (PEGANDO FOGO)  é manjada. Nos cinco primeiro minutos de projeção já sabemos que se trata de um " filme redenção", uma jornada com pit stop no purgatório para que nosso herói Adam Jones (Bradley Cooper) consiga redimir-se das besteiras e mágoas que espalhou ao longo de sua atormentada trajetória. 

Tenho uma amiga chef, a querida Fernanda Valdivia, e assim que saí do cinema fiz a pergunta óbvia: então é assim mesmo? Tirania e crueldade em potências infinitas? Gordon Ramsay fez escola ou essa hierarquia maluca sempre incorporou a loucura dos chamados estrelados? 

Pois Fernandinha garante que sim, a neura é real.Mais do que deveria ser, segundo ela, mas quem ama e tem tesão pela profissão sabe exatamente o que sente e como vive o perturbado chef Adam. Palavras de chef que ainda vou reproduzir aqui no blog. Aguardem.

SABOR DA VIDA, da diretora Naomi Kawase, também mexe com o paladar. E junto com o sabor aguça a audição, a visão e o discernimento. Uma aula de humildade. 


Delicadeza e respeito estão presentes em todos os diálogos. Tokue (Kirin Kiki), aos 76 anos, domina a arte de preparar uma pasta de feijão azuki inesquecível. Seu chefe, Sentaro (Masatoshi Nagase), tem uma história de vida triste e o sorriso não faz parte de seu dia a dia. Ele vende dorayakis, panquequinhas, recheadas com uma pasta de feijão comprada pronta e sem nenhum brilho. Um quitute razoável, mas bem distante da perfeição.

Só podia mesmo ser um filme japonês, adaptado do romance AN, de Durian Sugekawa, publicado em 2013. A pasta de feijão vermelho doce é conhecida como AN.

O espectador quase sente o cheiro do feijão que cozinha no panelão. E a reverência de Tokue diante do alimento é emocionante porque traz à tona uma devoção, ou paixão, se preferirem, que, martelados pela rotina, muitas vezes deixamos de colocar em prática nas atividades que exercemos. 

Os pequenos detalhes  são importantes. O passar do tempo chega, até nós, pelas cores das árvores, pela presença - ou não - das flores, pelo ritmo dos ventos e pelo calor ou frio das estações do ano. Mas é a lembrança do preconceito que humaniza ainda mais as relações em SABOR DA VIDA. Ignorância que existe e ainda é poderosa em pleno Japão do século 21. 

A descoberta de Sentaro e da adolescente Wakana (Kyara Uchida) transforma a vida de ambos. E nós, espectadores, ficamos morrendo de vontade de conhecer e aprender vários segredos com Tokue. Melodrama? Talvez. Mas principalmente um drama bem humorado e com belas imagens típicas - das cerejeiras em flor às orquídeas que passeiam diante de nossos olhos na telona.

PEGANDO FOGO bem que podia pegar emprestados o respeito e a delicadeza de SABOR DA VIDA. Faria um bem danado ao angustiado Adam Jones. Já Sentaro, o anti-herói de SABOR DA VIDA, seria um homem mais feliz se aprendesse com o personagem de Omar Sy, de PEGANDO FOGO, só um pouquinho sobre o ódio e a arte da vingança.

Pausa para risadas politicamente incorretas.

Pairando acima do bem e do mal, com sua colher de pau, reinaria a senhora Tokue, compreensiva com os apaixonados e impaciente com os conformados. Dos dois filmes.



  
    


quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O CLÃ

Entrar na sala de projeção e assistir às primeiras cenas de O CLÃ é comprometer-se com alguns sentimentos desconfortáveis. Revolta e indignação, por exemplo. Você fica pasmo diante de tanta frieza e incrédulo com algumas consequências letais da psicopatia humana. Nada é por acaso. Carinho e manipulação podem estar umbilicalmente interligados. Forever.

Pablo Trapero já disse a que veio faz algum tempo. Em seu mais recente ABUTRES escancarou a máfia dos seguros automotivos. Agora produz um suspense baseado em fatos reais. O caso Puccio escandalizou a argentina na década de 80 e já é o maior recorde de público na história do cinema argentino. 

O diretor fez um filme político, apesar das ações da família Puccio não terem como alvo os grupos clandestinos perseguidos , torturados e mortos pela ditadura argentina (1976 a 1983). Mas a conivência é clara e está presente em todo o filme.
Bandeirosa, a cumplicidade das Forças Armadas só diminui já nos últimos suspiros do regime de força e em plena era Alfonsín. E só então é possível enquadrar , prender e julgar os responsáveis.

O ex-presidente Alfonsin discursa na TV e enche de desencanto e desprezo o rosto de Archímedes, interpretado com devoção por Guillermo Francella, que os brasileiros conhecem por um papel coadjuvante em outro filme portenho, O SEGREDO DE SEUS OLHOS. Os olhos verdes do ator absorvem a loucura e transmitem todo o poder do mal que nós, humanos, somos capazes de cultivar e nutrir. Perversidade acalentada sem culpa por um dos personagens mais sombrios do cinema contemporâneo.

O suspense é mantido até os instantes finais, quando os letreiros finalmente esclarecem o destino dos integrantes da família Puccio. Uma fotografia em tom pastel acompanha o ambiente soturno e as imagens de horror, testemunhadas apenas algumas poucas vezes pelo espectador. Junte-se a tudo isso uma trilha sonora vibrante e em desalinho completo com o ambiente de loucura em que todos estão imersos e temos um belo filme. 

Merecido Urso de Prata para melhor diretor, este ano, em Berlim.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

EM TRÊS ATOS, O CORPO, A MORTE E A DESPEDIDA

Escrever embalsama o passado.  

Acho a frase incrível, ainda mais pronunciada com todas as letras e sílabas por Nathalia Timberg.
Quem escreveu foi Simone de Beauvoir. Quem bebeu nas letras da francesa revolucionária foi outra guerreira, a cineasta Lucia Murat. 

Desta vez a diretora de filmes como QUE BOM TE VER VIVA e A MEMÓRIA QUE ME CONTAM, entre outros, trouxe a velhice e a morte para o palco do cinema. EM TRÊS ATOS, somos aprisionados voluntariamente pela poesia do roteiro, pela beleza da fotografia, pelo vigor da montagem e pela força da dança de Angel Vianna e Maria Alice Poppe. Setenta e seis minutos de pura imersão no corpo, na morte e na despedida.


Lucia Murat segue fazendo um trabalho político e engajado. A diferença é que em vez das feridas e cicatrizes dos anos de chumbo, mergulhamos no universo do envelhecimento e da finitude. Somos testemunhas da contemporaneidade dos textos de Simone de Beauvoir, escritora morta em 1986 que virou de cabeça pra baixo os conceitos do feminino com o livro O SEGUNDO SEXO, de 1946, e a própria concepção de velhice, descrita e analisada com maestria em A VELHICE, de 1970.

A cineasta carioca foi buscar em dois livros da francesa (A VELHICE e UMA MORTE MUITO DOCE) o mote de seu roteiro. Junto com Nathalia Timberg  e Andréa Beltrão, Lucia faz ficção como se fosse documentário. É que os textos de Simone, para os mais desavisados, soam como depoimentos nas vozes das duas atrizes que interpretam um único personagem - na velhice e na idade adulta.

Com muito silêncios interligados apenas pela inspirada coreografia de duas bailarinas de gerações diferentes, extraída do espetáculo de dança QUALQUER COISA A GENTE MUDA, de João Saldanha, o filme transborda emoção e provoca  memórias. E é instigante porque traz o velho para o centro de uma sociedade que ainda tem medo de olhar para a velhice e para a morte.

Preste atenção nas imagens do corpo em estado de velhice pura. Poucas vezes o super close esteve tão a serviço da sétima arte. Não deixe de ver, mesmo que ainda não tenha chegado aos 40.   


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

FILMES QUE FAZEM SUCESSO... MAS NÃO ME AGRADAM


Fiquei uma semana sem aparecer por aqui porque tenho uma enorme dificuldade para escrever sobre filmes que não me agradam. Filmes que não correspondem às expectativas que deposito nesse ou naquele diretor ou roteirista. Ou películas de origem desconhecida que poderiam enriquecer o meu universo cinematográfico, mas acabam provocando enfado ou irritação. 

Foi um pouco de tudo isso que senti ao assistir MISTRESS AMÉRICA e SEM FILHOS. 

O que dizer da nova empreitada do diretor novaiorquino Naum Bambach e de sua musa, a atriz Greta Gerwig? Juntos, eles emplacaram FRANCES HA, em 2012, e agora apostam em MISTRESS AMÉRICA e no talento histriônico de Greta. Antes, Bambach também dirigiu o intrigante LULA E A BALEIA e, recentemente, o simpático ENQUANTO SOMOS JOVENS.

O que não me agrada em Mistress América é a essência do personagem de Greta Gerwig. Faltou sutileza ou sobrou alguma outra intenção na construção de Brooke, uma balzáquia arrogante e egoísta, incapaz de ouvir qualquer outra pessoa que não o próprio ego. Atualíssimo, pero aburrido. 

O filme foi elogiado e o quarentão Naum Bambach é sempre comparado, por alguns críticos, a Woody Allen. Não creio que Woody se identifique com os excessos de uma crítica social que parece não chegar a lugar nenhum. Já LULA E A BALEIA, de 2005, deve ter enchido de orgulho o mestre novaiorquino. 

Bom, é ver pra crer, não é mesmo? 

E aproveito o espaço para fazer uma observação também pouco elogiosa ao argentino SEM FILHOS,de Ariel Winograd: uma comédia romântica que começa com diálogos muito perspicazes e aos poucos vai caindo no batidão de "pai divorciado, com uma filha que mora com ele, namora moça que não quer ter filhos e por isso inventa muitas mentirinhas pra não perder a amada".   

O filme continua em cartaz no Rio. Mas podia ser muito mais. Não perco a fé na cinematografia portenha. 





terça-feira, 1 de dezembro de 2015

CAMINHO DE VOLTA

Caminhos de ida ou de volta sempre me emocionam, sejam eles em linha reta, cheios de curvas ou recheados de labirintos. São caminhos. E quando iniciamos um processo de escolha sobre os atalhos que vamos seguir, algo muda radicalmente na maneira como passamos a enxergar e a vivenciar  as experiências que acompanham a decisão ou a falta dela. 

Processos de decisão filmados me atraem porque são uma presente para a plateia que, no escurinho do cinema, pode identificar em si mesmo uma empatia qualquer com o que se passa na telona. E isso é muito bom. 

Os dois personagens de CAMINHO DE VOLTA provocam essa empatia. Duas pessoas com personalidades e vivências muito diferentes, mas que são identificadas pelo espectador como "alguém como eu". Estamos diante de dois homens comuns, no melhor sentido da palavra, que abrem, diante das câmeras, suas dúvidas, frustrações e esperanças. 

O documentário de José Joffily e Pedro Rossi é uma empreitada familiar. Os dois diretores contaram, em entrevistas realizadas durante o lançamento do Festival "É Tudo Verdade" (abril deste ano), que muitos personagens foram pesquisados durante o período de pré - produção. Só que dois dos escolhidos estiveram o tempo todo diante deles: a sogra e o cunhado de Joffily. E não é que essa intimidade deu certo?

Esse é um filme que me atraiu pelo conteúdo. É claro que a direção de fotografia estabeleceu um critério de ação, mas há outros ingredientes de improvisação - como câmeras na mão de quem nunca gravou nada antes - que só fazem enriquecer a narrativa. 


Algumas cenas são tocantes e poderiam fazer parte de um romance ou de um estudo antropológico sobre o relacionamento entre seres humanos. O mais gostoso, porém, é que são pessoas prestes a tomar - ou não - a decisão mais importante de suas vidas naquele período de tempo em que o documentário é realizado. 

Nós somos as testemunhas e torcemos por elas.         

sábado, 28 de novembro de 2015

CHICO - UM ARTISTA BRASILEIRO

Parem as máquinas, suspendam as contra-indicações e encarem a real: assistir ao filme de Miguel Faria Jr é, antes de tudo, entregar-se à fruição do prazer. E nada atrapalha essa curtição. Dá pra tietar sim, sem culpa ou cobranças por algo mais polêmico ou inquiridor. 

Nãnaninãnã! O objetivo do diretor não era encostar Chico na parede e faze-lo confessar as causas profundas e inconscientes do final de seu casamento ou de seu afastamento da política partidária. A intenção do diretor, creio, foi deixar o amigo à vontade para discutir temas variados que recheiam uma história de vida intensa e constantemente questionada pelo próprio entrevistado. 


É a montagem de Diana Vasconcellos que transforma o espectador em cúmplice. Estão ali os Chicos que conhecemos, mas também um homem que indaga sobre sua produção no passado e tenta prever, com humor, o que poderá ser o seu futuro como compositor e escritor. 

Além do belo enquadramento do rosto de Chico, by Lauro Escorel, o que arrebata de primeira é o espetáculo musical que afaga todos os sentidos. Nada é óbvio. A escolha das músicas, nem sempre famosas, surpreende e emociona. É como se saíssemos da sala de cinema direto para a casa de shows. E a cada número um aplauso entusiasmado. 

As mulheres de Chico estão nas vozes de Martnália, Mônica Salmaso, Laura Garin, Adriana Calcanhoto e no tom cristalino de Clara, a neta de Chico. Mas, pausa para a emoção: o que é Carminho, a sensacional cantora portuguesa, interpretando "Sabiá"? Êxtase puro. 

E o que dizer das apresentações de Ney Matogrosso e Milton Nascimento - em dueto sublime com Carminho - e do próprio Chico? Melhor o silêncio, leitor. Assim, a experiência será ainda mais impactante e duradoura. 

Durante os 110 minutos de projeção compartilhamos as memórias, a imaginação, os questionamentos e as ponderações de Chico. Você pode até não concordar com algumas revisões do passado, mas vai gostar de ver, na telona, esse homem de 71 anos que revê sua caminhada com leveza, crítica e compaixão pelo menino que já foi. 

As presenças de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Bibi Ferreira - todos respirando juventude e exalando talento - enriquecem o filme e tornam ainda mais saboroso testemundar a trajetória única de Chico. 

São quase duas horas para viver e relembrar, junto com Chico Buarque de Holanda, o Brasil dos últimos 50 anos. Compre seu ingresso e se acomode na poltrona. É bom demais.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

AWAKE - A VIDA DE YOGANANDA

Alguns filmes têm a virtude de, terminados, provocar no espectador a vontade de saber mais. Aconteceu comigo depois de ver AWAKE - A VIDA DE YOGANANDA. 

Conhecia muito pouco sobre a vida desse iogue e guru que nasceu em 1893, na India, e morreu em 1952, em Los Angeles. E então,depois de assitir ao filme, cheguei em casa e descobri uma frase, do próprio Yogananda, que traduz a sensação que me acompanhou durante toda a projeção:


"A melhor coisa que você pode fazer 
para cultivar a verdadeira sabedoria 
é praticar a consciência 
de que o mundo é um sonho". 

Esse homem que saiu da India para levar sua mensagem à estranha terra do tio Sam, nos anos 20 do século passado, está ali, na tela, em raros fotogramas que o tornam real para o espectador, e na narração marcante do ator Anupam Kher, estrela de Bollywood, que dá voz a Yogananda,sempre na primeira pessoa. 

Sentado no escurinho, você é testemunha de uma viagem espiritual narrada pelo próprio guru, com depoimentos tocantes de muitos de seus discípulos, entre eles o ex-Beatle George Harrison, o músico Ravi Shankar e o pensador e escritor Deepak Chopra. 

Dirigido por  Paola de Fiori e Lisa Leeman, veteranas premiadas no Sundance Festival e indicadas ao Oscar por trabalhos anteriores, AWAKE é uma homenagem, mas também uma proposta de resgate dos ensinamentos do guru Yogananda que, entre outros, escreveu o livro " Autobiografia de um Yogue" (1946), clássico que inspirou milhares de seguidores em todo o mundo. 


Yogananda trouxe para o Ocidente os ensinamentos da meditação e da prática da Kriya Yoga. E nessa passagem de 15 anos pela América conheceu o preconceito racial, a intriga de antigos companheiros e a exaustão diante da tarefa que lhe foi incumbida pelo próprio mestre.

Com parcialidade e reverência, Paola e Lisa mostram o choque e o impacto da espiritualidade hindu na alma americana. E plantam, no espectador receptivo, a vontade de expandir fronteiras em busca de mais humanidade e paz para a alma. 

Boa pedida em tempos de radicalização e intolerância extremas.    

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

HIPÓCRATES


O filme é francês, o diretor é médico e o tema é sim muito familiar aos brasileiros que dependem do Sistema Unico de Sáude. Um filme quase todo rodado dentro de um hospital com personagens que provocam empatia ou antipatia, mas prendem a atenção do espectador.   

Com episódios da série House sempre na tela dos monitores de TV, Thomas Lilti construiu um filme que faz crítica social, é engraçado mas também pode fazer chorar. 

E sim, na França, aparelhos simples como um eletro, por exemplo,  também carecem de manutenção. Lá, o chefe controla e até manda retirar a morfina que alivia as dores horríveis de uma velhinha que só quer morrer em paz.

O administrador do hospital é um burocrata facilmente reconhecível e os protegidos, mesmo quando pisam feio na bola, também ficam impunes. Sobra, é claro, para o médico argelino, aquele que trabalha com dedicação e afinco, mas não consegue vencer as barreiras impostas desde sempre. Ganha menos, sofre um preconceito aparentamente "light" dos colegas e na prova dos nove vira bode espiatório.

Alguns personagens são especialmente cômicos, outros até poderiam ter recebido um melhor tratamento dos roteiristas. Mas no conjunto, HIPÓCRATES diz a que veio. Entretém, cria vínculos com a plateia e faz pensar no labirinto de dificuldades que é a saúde pública aqui, em terras tupiniquins ou lá, na pátria do velho Obelix.       

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CHATÔ, O REI DO BRASIL

O filme começa com festa para os olhos e ouvidos. Uma fotografia exuberante para um personagem que parece ter saído de alguma farsa quase prima-irmã de Macunaíma. 
Achei que Zé Celso Martinez fosse dar o ar de sua graça em pleno set, atraído pelas extravagâncias dionisíacas de Assis Chateaubriand, o empresário que sonhava ser o rei do Brasil.

Não li o livro de Fernando Morais, mas li muito sobre a saga de Guilherme Fontes à frente de seu projeto que, em vários momentos, pareceu inexequível. Isso quer dizer que assisti ao filme sem aquela sensação incômoda de, mesmo sem querer, comparar o resultado cinematográfico com o material autoral que o inspirou.

Se me permitem, preparem-se para uma viagem no tempo. Atores famosos - ontem e hoje - muito mais jovens e, entre eles, alguns que já nos deixaram nesses vinte anos que separam filmagens e exibição. Juventude que também era a nossa em 1995. Um tempo que acompanhou a história recente do Brasil mas deixou outro, mais antigo, adormecido nas latas de filme e na posterior edição digital. Um sono agitado que agora desperta no escurinho do cinema, em 2015.

Marco Ricca veste o seu Assis com cinismo e deboche. A sensação, desde os primeiros minutos, é de que estamos diante de uma comédia rasgada. Sentimento interrompido, vez ou outra, pelas surpresas e viradas embutidas no roteiro. Uma história contada sem compromisso com a linearidade. Uma trama que envolve pelo pitoresco, pelo "over" e pelo inusitado.

O Getúlio Vargas de Paulo Betti transforma o homem que se suicidou num ditador falastrão, frágil e quase atraído pelo sexo feminino. Um personagem sem a depressão daquele vivido por Tony Ramos em outro filme recente. O que me fez imaginar, de imediato, como teria sido um Getúlio Vargas da vida real que combinasse características tão opostas.

CHATÔ, O REI DO BRASIL impressiona como resultado da construção de seu personagem título: um homem grosseiro, amoral, inescrupuloso, violento, narcisista daqueles de quebrar o espelho, machista como ainda o são muitos coronéis nordestinos e priápico por opção, com a ajuda de remedinhos fitoterápicos da época.

Tudo é exagerado. E a solução encontrada para compor e decompor o Chatô de Guilherme Fontes é interessante. A partir do último dia de vida de Assis Chateaubriand vemos um desfile onírico que projeta, na telona, as diferentes fases da existência de um dos maiores empresários de comunicação que o Brasil já conheceu.

Andrea Beltrão incorpora a sensacional e atualíssima Vivi, personagem que nos acompanha desde sempre em terras tupiniquins. Com ela e a partir dela testemunhamos a naturalidade com a qual se corrompe ou se é corrompido. 
A ética está enterrada em algum cofre dos Diários Associados e a política vigente não demonstra vocação alguma para a honestidade. 

CHATÔ é um filme abusado. O Assis Chateaubriand desbocado faz pouco dos princípios que nós, tolinhos, acreditamos como possíveis. Só a linda voz de Letícia Sabatella, ao microfone, projeta alguma candura sobre uma trama que pode ser curtida se deixarmos de lado a vontade de resolver o quebra-cabeça montado, com inteligência, por um roteiro que passou pelas mãos de Carlos Gerbase, Matthew Robbins e tratamento final escrito pelo então ainda pouco conhecido João Emanuel Carneiro, autor do sucesso  "Avenida Brasil" e da atual novela das nove, na Globo, "Regra do Jogo".   


Valeu a pena esperar? Valeu. Mas a vontade que deu - jornalista tem dessas coisas e acho que Fernando Morais não vai se chatear - depois dos créditos finais foi ler o livro como uma espécie de complemento do filme. Entender direitinho vários aspectos, em ordem cronológica, da vida desse homem que dizia sem ficar vermelho: " empregado não tem opinião. Quer dar a sua? Compre o seu jornal". 

E aí, vai para o trono ou não vai? Chacrinha também estava lá.
  



sábado, 14 de novembro de 2015

DEEPHAN: REFÚGIO E DESESPERO NA PERIFERIA DE PARIS

Demorei para escrever sobre DEEPHAN: O REFÚGIO, vencedor da Palma de Ouro deste ano, em Cannes. Saí do filme com a sensação de que temas demais estavam ali, expostos ao espectador. Foi difícil concluir: gostei do filme? Gostei muito? Mais ou menos ou mais pra menos que pra mais?
Gostei. Ponto.

Então cheguei em casa e fui pesquisar. Queria entender a história recente do Sri Lanka, já que é com uma cena devastadora que tem início o filme do diretor Jacques Audiard.

Demorei  para escrever e ontem, 13 de novembro, depois do ataque terrorista que matou mais de uma centena de pessoas em Paris, achei que estava na hora. O filme é ficção, mas quando a violência da ficção encontra a violência da realidade é hora de pensar ainda mais sobre a barbárie que se descortina todos os dias diante de nossos olhos, neste século 21. 

De 1983 a 2009 uma guerra civil matou mais de 150 mil pessoas no Sri Lanka ( 70 mil, segundo números oficiais), resultado de um conflito sangrento entre as etnias tâmil e cinigalesa. Já nos anos 80, o grupo extremista tâmil TLLE foi classificado como terrorista por vários países, Brasil inclusive. Na época, já era considerado um dos mais perigosos do mundo por conta dos métodos utlizados: homens-bomba, execuções com requintes de crueldade e outros detalhes conhecidos por quem vive e testemunha as atrocidades cometidas pela intolerância neste século 21.  

Bom, você não vai ver nada disso na saga do trio que finge ser uma família para fugir do Sri Lanka e conseguir refúgio político na França. Mas conhecer alguns detalhes sobre a vida do protagonista, Deephan, interpretado por Jesuthasan Antonythasan, pode deixar o filme mais saboroso e, por que não, mais interessante. 

Jesusthasan, o ator, foi um guerrilheiro tâmil na adolescência. Depois de romper com o grupo extremist esteve em alguns países até entrar na França com um passaporte falso, em 1993, e conseguir asilo político. Lá, começou a escrever no idioma tâmil  sobre suas experiências como guerrilheiro, sob o pseudônimo de Shoba. Hoje é um escritor relativamente conhecido. Seus livros já foram traduzidos para o inglês, ele ainda fala mal o francês e tem medo de retornar ao Sri Lanka em virtude dos ataques que ainda persistem contra a minoria tâmil. 

Foi então nessas circunstâncias que Jesusthasan, de 48 anos, 22 vivendo na França, recebeu o convite de Audiard, que já o conhecia, para viver o angustiado e inescrutável Deephan. 

Muito já foi escrito sobre o vencedor da palma de ouro. Mas deixo aqui a impressão que me acompanha até agora, quase duas semanas depois de ter assistido ao filme: além de ter que encarar uma viagem perigosa de barco com uma família falsa, a dificuldade de entender um novo idioma e as diferenças culturais que se manifestam no simples ato de comer com as mãos, a história dá um tapa na cara do espectador quando mostra que abandonar a cena de carnificina numa selva distante não significa encontrar uma vida mais pacífica nas habitações populares de um subúrbio de Paris. Longe disso.

Jacques Audiard garante que a violência e a tensão que dominam o condomínio onde Deephan se emprega como zelador não passa de ficção. OK. Mas alguma inspiração nas  revoltas da "banlieue" parisiense deve ter sido injetada nas veias do diretor. E quem mora no Rio de Janeiro já viu aquelas cenas em algum lugar.....não muito distante de onde vive.

O diretor vencedor diz que a essência de seu filme é sobre um homem que não sabe falar de amor. Sim, pode ser. Principalmente quando o roteiro dá uma guinada e temos a impressão de que Charles Bronson vai sair da tela atirando para todos os lados. Ou quando Deephan, bêbado, canta seu coração despedaçado. Não fosse a trilha sonora, sensacional, as cenas seriam dispensáveis para o bom andamento da trama.  

Preste atenção na atuação das duas atrizes que compõem a família "pra inglês ver": Kalieaswari Srinivasan e a menina Claudine Vinasithamby. Com interpretações minimalistas, elas ampliam a tensão e o espírito desolado de Deephan.

O final surpreende. Os personagens parecem sair do inferno para encontrar a felicidade logo ali, depois da fronteira. Será um abuso da ficção? Ou uma crítica contundente ao país de François Hollande e Marine Le Pen?    
Sei lá, mil coisas. 
     



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NA ONDA DA CORRETAGEM IMOBILIÁRIA


RUTH & ALEX poderia ser um filme sobre casamentos duradouros e relações harmoniosas.
Também poderia explorar o envelhecimento de um típico casal novaiorquino de classe média. Ou ainda mostrar os obstáculos vividos por Ruth e Alex , ela branca, ele negro, ao longo dos últimos 40 anos. Mas não, nada disso. O diretor inglês Richard Loncraine estranhamente optou por uma história tipicamente americana, em que manias e preconceito enchem a tela e até mesmo o saco do espectador.

Loncraine prioriza a necessidade dos personagens de Diane Keaton e Morgan Freeman. Eles precisam vender e mudar de um belíssimo apartamento no Brooklyn. O motivo? Os lances de escada do prédio sem elevador deixam Alex e Dorothy, a simpática cachorrinha do casal, completamente extenuados.    


A partir dessa constatação, a plateia ou entra na onda imobiliária de Ruth e Alex ou começa a ficar com raiva dos corretores, uma categoria profissional retratada como um bando de histéricos sem ética e limites para conseguir, digamos, cumprir a meta do que lhes cabe vender. 

A talentosa Cynthia Nixon, a eterna Miranda de Sex and the City, coitada, passa o filme gritando um texto preconceituoso e revelador de como a sociedade em geral encara a velhice. Dá vontade de desenhar, pra que ela tente entender, que o casal em questão ainda não precisa de babás, babadores ou andadores.    

Sobre os conflitos provocados pelo racismo na época em que Alex e Ruth se casaram, a personagem de Diane Keaton faz apenas uma referência. Algo como "quando nos casamos nossa união ainda não era considerada legal". E ponto. Parágrafo. Segue o baile de amenidades. 

E então, entre " open houses", flashbacks e pequenos dramas familiares acompanhamos a saga de Ruth e Alex, dois idosos em busca de um apartamento com elevador em Nova York. 
Quer mais? Eu queria. Imaginei que o premiado diretor da série Band of Brothers e dos filmes Ricardo III e Winbledon fosse ao menos explorar, com humor britânico, a superficialidade e a mediocridade de vários aspectos da cultura do Tio Sam, especialmente o consumismo desenfreado. Mas não. A corretagem toma conta da telona e corre solta.

Você pode perguntar, depois desta crítica, se vale a pena ir até o cinema conferir RUTH & ALEX. Bom, eu fui, né mesmo? Gosto dos atores Morgan Freeman e Diane Keaton e também do cineasta Richard Loncraine, que tem uma carreira interessante. Mas nem sempre tudo é perfeito. 



terça-feira, 10 de novembro de 2015

O ÚLTIMO DIA DE PASOLINI

Ano passado fui ver WELCOME TO NEW YORK, do diretor Abel Ferrara, e saí antes do filme terminar. Gerard Dépardieu estava lá, imenso e imerso em infinitas surubas na pele do ex-poderoso Dominique Strauss- Kahn. Agora, em PASOLINI, Ferrara volta para a gavetinha de cineastas que admiro e cultivo ao rodar o que teriam sido as últimas 24 horas do cineasta italiano, assassinado há exatos 40 anos, em novembro de 1975.

Se fosse pra resumir o sentimento de enlevo que me acompanhou durante quase 90 minutos a resposta seria : William Dafoe. Que performance sensacional a desse ator que está entre os grandes talentos do cinema mundial. Aos 60 anos, veste com perfeição o figurino, os gestos, trejeitos e a expressão melancólica de Pasolini. 

Ferrara fez um filme introspectivo e poético sobre os momentos derradeiros do diretor de SALÓ OU OS 120 DIAS DE SODOMA, TEOREMA, O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS e CANTERBURY TALES, entre outros.  São conversas sobre trabalho, entrevistas e refeições em casa ou no restaurante, com amigos próximos e queridos.

Quem assistiu e gostou dos filmes de Pasolini ainda vai sentir o impacto diante das cenas de SALÓ, concluído pouco antes do assassinato que matou o diretor italiano aos 53 anos de idade. Numa época em que o fundamentalismo político e religioso conquista uma legião de fãs a crueldade das cenas, rodadas há quatro décadas, é quase profética. As situações são degradantes, a humanidade degradada. 

Uma outra narrativa corre em paralelo. E se você quiser curtir o filme entre na viagem de Abel Ferrara. Acompanhe os passos de Pasolini até a morte e também o que seria o seu próximo roteiro: uma busca pelo paraíso, o nascimento do Messias e o surrealismo de surubas e bacanais. A imaginação fértil e surpreendente de um artista que deixou, entre muitos legados, uma frase boa de ouvir e ótima para agir: Escandalizar é um direito, e se escandalizar é um prazer".
     

domingo, 8 de novembro de 2015

AS MULHERES, OLMO E A GAIVOTA

Acho ótimo que OLMO E A GAIVOTA tenha recebido o prêmio de melhor documentário do Festival do Rio deste ano. Em tempos de intolerância e aumento do preconceito contra a liberdade feminina de escolher o que deseja fazer com o seu próprio corpo, o filme vem a calhar. Traz à tona um universo muito particular às grávidas : as limitações impostas pelo corpo e pela própria sociedade, ainda dominada por homens que crêem entender a intimidade feminina.

Também é atraente acompanhar o conflito de Olivia Orsini, uma atriz italiana em plena atividade no Théatre du Soleil, em Paris, onde ensaia " A Gaivota", de Tchekov. Ela se descobre grávida e, em seguida, recebe a notícia de que sua gravidez é de alto risco. É obrigada a interromper completamente sua rotina de trabalho como atriz. A interrupção provoca dúvidas, medos e questionamentos sobre a maternidade.

Creio que muitas mulheres se identifiquem com os conflitos vividos por Olivia. Gente que sentiu que ser mãe talvez não fosse o melhor dos mundos em alguma etapa específica da existência. No caso de Olivia, interromper o trabalho é um baque. Presenciar o marido em plena atividade, então, mais difícil ainda. Essa dificuldade, alías, é responsável por belos momentos do filme. Instantes em que atriz que habita a pele da italiana expressa com exuberância a voz e a delicadeza da atuação. 

Gosto dos vários idiomas falados pelos personagens durante o filme dirigido por Petra Costa (diretora do já cult HELENA) e Lea Glob. A sensação é de um mundo maior e mais inteligente do que o imposto por fronteiras físicas, políticas ou religiosas. 

Ficção e realidade estão ali, misturadas, durante toda a projeção. Mas algo me incomoda no retrato, nos relatos, nas interferências da diretora e nas reações de Olivia, confinada em seu apartamento. E o incômodo vem do excesso de egos em questão, uma viagem que se mostra  quase um labirinto. Olivia, Serge (o marido), Petra (a diretora), personagens que me parecem demasiado autocentrados para um mundo já excessivamente individualista, como este que vivemos, em pleno século 21.

Tomo emprestado um parágrafo do texto de Marcelo Hessel sobre o filme, publicado no site Omelete: "Da mesma forma que Elena se contentava em se alimentar do mistério, sem fazer ou responder questões importantes sobre a irmã de Costa, Olmo e a Gaivota também cria um véu de um acordo criativo cuja finalidade nunca fica clara". 

Em algum momento do filme Olivia diz que " no teatro nos sentimos protegidos de tudo". Se a proteção existe ou é construída pela pessoa que também é atriz, sem ela o filme poderia ser mais questionador e menos contemplativo.    

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

UM POSSÍVEL DIÁLOGO SOBRE ENVELHESCÊNCIA ENTRE DUAS MULHERES PORRETAS




Simone Beauvoir (9/01/1908 - 14/04/1986):

Sinto vontade, sabe? Quero correr riscos, afundar nas buscas pela felicidade, entender a engrenagem da dor e descobrir como as perdas se acomodam na memória. Ainda espero encontrar uma paixão no boteco mais próximo e não tenho dúvidas de que posso ser cada vez melhor na minha profissão.



Gertrude Stein (3/021874 - 27/07/1946):

Você tem vontade, claro, mas quando está no batidão de todos os dias ou no meio da multidão é invadida por uma sensação de não pertencimento, uma espécie de transparência quase invisível que não reflete a sua gana, a sua curiosidade.


Simone:
Você percebe que o erotismo ainda domina emoções e decisões, mas seu corpo é praticamente invisível para um imenso universo de homens e mulheres. Esgota-se o tempo de trabalho útil e remunerado. Esses sinais, sutis, marcam o início do outono. No inverno da vida você ainda será a mesma menina agitada. A não ser, provavelmente, pela imagem que o espelho mostrará todos os dias até o fim. Aqui do lado de fora, no entanto, vez ou outra alguém poderá se manifestar na fila de um ônibus: quer ajuda para subir a escada? Sente-se aqui, faço questão.... 

Gertrude:
Então é isso a velhice? Paixão, desejo, curiosidade, atividade sexual em declínio, decepção, desemprego, aprendizado e esquecimento?

Simone:
Quase isso. Faltou acrescentar que no grand finale mergulharemos no abismo possivelmente anunciando, aos quatro ventos, as perguntas que fizemos desde sempre.   

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

LUTA PELA DIGNIDADE NA ISRAEL DO SÉCULO 21

É uma torcida apreensiva. Viviane Amsalem quer se divorciar porque não ama mais o marido. Mas o desenlace feliz para ela depende dele, do homem com quem viveu por quase 30 anos. É assim que as coisas se passam nos tribunais israelenses do século 21.Um tribunal rabínico ignora o desespero e a vontade de Viviane. E enrola por quase 5 anos a decisão sobre o divórcio. 
É que em terras de Benjamin Netanyahu o baile só começa quando o homem concorda com o pedido de divórcio. Se a resposta for não dane-se a companheira. 
Ela é interrogada com desprezo pelos próprios juízes e raramente consegue emitir alguma opinião. Se fala sem ser chamada é ameaçada. Quando explode deixa atônitos os homens do tribunal. Mulher ali é tentação do demônio, só não saca quem não viu.

Para a plateia feminina, a sensação de desconforto é muito forte. Viviane saiu de casa, tenta o divórcio. A menor suspeita de que possa ter cometido um adultério ouriça juízes, marido emburrado e testemunhas, inclusive mulheres. 

O JULGAMENTO DE VIVIANE AMSALEM é um belo filme que incomoda. Mas não cansa. A todo momento nos deparamos com novos olhares, pequenos gestos, um universo de significados que atropelam nossas certezas ao longo das inúmeras idas de Viviane e do marido (ex) Elisha ao tribunal.

A atriz Roni Elkabetz dirige o filme com o irmão Shlomi Elkabetz. Ela também encarna com perfeição a angústia de Viviane. Os atores brilham e a fotografia contribui para que a claustrofobia que sentimos não seja interrompida nem quando nossos personagens estão na sala de espera do tribunal. 

Um roteiro ágil, bem escrito. Um filme barato, com apenas uma locação. E um resultado que agrada porque trata de um tema caro às mulheres deste século: o machismo  impregnado na cultura de uma Israel moderna, uma nação ainda submissa ao fundamentalismo religioso.  

Já vimos esse filme por aqui também. Mas ouvir os diálogos em hebraico talvez seja um incentivo para que não deixemos cair a peteca pela luta da dignidade feminina - em terras tupiniquins ou no deserto impiedoso do Oriente Médio.


domingo, 1 de novembro de 2015

MISTÉRIOS DA ALMA E DO CASAMENTO


Então você está comemorando 45 anos de casada e já marcou uma festa de arromba na cidadezinha inglesa onde mora há décadas. Seu marido é cúmplice, amigo e companheiro. Até o sexo ainda espreita, entre lençóis e lembranças, a vida feliz do casal. Eis que uma memória quase segredo emerge do passado. Um outro amor, uma outra parceria. Possibilidades enterradas que despertam novos desejos. 45 ANOS (45 Years), filme do inglês Andrew Haigh que estreia no circuito, traz em ritmo mais lento que o habitual uma nova realidade dos personagens Kate e Geoff - vividos com dedicação absoluta pelos sensacionais Charlotte Rampling e Tom Courtenay. A fragilidade do marido e a segurança da mulher são descontruídos diante do espectador. Uma angústia sem fim toma conta de Kate. Somos testemunhas quase incrédulas de um comportamento que não encaixa na fantasia que alimentamos sobre casamentos duradouros entre setentões. E sim, minha amiga, lá estão o ciúme, a desconfiança, a inveja e o ressentimento que transformam em inferno a vida de quem imaginávamos estável, equilibrada e encarando com tranquilidade as armadilhas sorrateiras da velhice. Com expressões corporais, faciais e pequenos gestos entendemos que há mistérios do passado que desestabilizam relações conjugais e produzem emoções que julgávamos dormentes na adolescência. Outro filme pra gente grande. Mas que aconselho também aos muitos jovens e aos que acreditam que os mistérios da existência e da alma são muito maiores que as relações conjugais. Mergulhe!

REFORMA NO BLOG

Recomeço hoje a escrever meu blog. Há alguns anos, quando comecei a escrever neste espaço, a ideia era discutir e refletir sobre vários temas. Mas acho que foco é uma palavra mágica. Por isso vou tentar escrever sobre cinema e sobre a complicada arte de envelhecer sem perder o viço, o brilho e a curiosidade. É isso que pretendo construir por aqui. Afinal, seja no escurinho do cinema, na intimidade do quarto de dormir ou na mesa do computador escolhemos os caminhos que desejamos percorrer. Bem vindos mais uma vez!