segunda-feira, 4 de maio de 2009

O envelhecer de Caetano Veloso

Que mistificação é essa que a indústria de consumo imediato faz da velhice?
Não bastassem as agruras naturais do envelhecer somos obrigados a ler, todos os dias, notas e notícias que ou glamurizam estupidamente a terceira, quarta e quinta idades ............ou enchem de aspectos negativos uma etapa inexorável da vida de todos nós.

Duas entrevistas me chamaram a atenção neste final de semana. A primeira foi a do grande jornalista Gay Talese, 77 anos, que vai lançar um livro sobre os seus 50 anos de casamento com a mesma mulher. Talese tratou de explicar rapidamente que não se deve acreditar nas besteiras publicadas sobre sexo na velhice. Disse que as pessoas mais velhas sentem tesão sim senhor e gostam de fazer sexo. Engraçado como, lá no fundo, ficamos incomodados com a imagem de dois corpos flácidos e com rugas encostando um no outro...... Aprendemos a olhar com avidez para os corpos durinhos e malhados da juventude ou, no máximo, de quarentonas lipoaspiradas e botoxicadas.

O outro entrevistado que falou curto e grosso sobre o envelhecer foi Caetano Veloso. Está na Revista de Domingo do jornal O Globo. A pergunta da repórter é esclarecedora e tem a ver com o que escrevi ali em cima: " No seu blog você declarou que está entrando na velhice. É engraçado porque você é muito jovem". E a resposta de Caetano: " Não sou. Eu, de fato, tenho 66 anos".
Impressionante o entrevistado ter que responder isso, né não?
É como se o fato da cabeça continuar a funcionar com agilidade, talento e dinamismo fossem atributos distantes e impossíveis para quem já atingiu um certa idade.....
Se a pessoa pensa, não se conforma com babaquices e ainda bota pra fora desejos e fantasisas..........então ela é jovem........de alma!?!?!
A repórter insistiu: "Na sua alma você tem 66 anos?"
E nosso bahiano compositor explicou que não acredita em alma e que o nosso organismo simplesmente envelhece. Os olhos enxergam menos e a pele, por exemplo, não é mais a mesma da juventude. Isso é envelhecer.

Insatisfeita com a resposta, a jornalista fez a terceira pergunta, um exemplo claro da lavagem cerebral a que somos submetidos desde muito pequenos: se a alma é jovem o corpo não envelhece....
Piada de péssimo gosto.
A terceira pergunta: " isso entra em contraste com o que você pensa e sente? "
Foi então que Caê resolveu dizer o que pensa e sente. Disse que não está horrivelmente incomodado e nem infeliz por causa da velhice. " Acho muito ruim as pessoas depositarem todas as idéias negativas a respeito da vida e do sentimento do mundo na velhice. Muitas vezes o período mais infeliz da vida de uma pessoa foi aos 20 anos. Ela pode ter 85 e ainda estar feliz de ter superado o que superou aos 20, e ainda por cima feliz por outras realizações que teve aos 60, e pode morrer feliz. ... Não se pode botar tudo na conta da velhice. Mas não se pode negar a decadência natural que ela implica. Essa coisa de dizer que se o espírito é jovem então a pessoa não é velha, eu não entendo. "

Dez pontos para Caetano aqui na minha modesta avaliação.
Quantas vezes a gente ouve pessoas de 70 anos dizendo que não são velhas porque o espírito continua adolescente?
É ótimo que os velhos e velhas continuem lépidos e fogosos. Mas misturar espírito com físico é um pouco demais. Ainda Caetano: " Não estou dizendo que não haja distinção entre o espírito e o corpo. Há. Mas não existe espírito sem corpo. A velhice é um acontecimento fatal pra todo mundo, que modula a vida espiritual de uma forma ou de outra. Afirmar uma vivência interna de juventude é um sinal de movimentação do espírito para se adaptar à velhice".
Mais vinte pontos pra Caetano.

No melhor do papo, a entrevistadora mudou de assunto ou então editou (cortou) a resposta sobre a velhice. Eu, apaixonada sobre essas questões do envelhecer, achei uma pena. Mas acho a contribuição de Caetano mais do que importante. Ele tem 66 anos, é um senhor de passado libertário e "experimentador" e atravessa a vida sem se fantasiar de adolescente.
Se você mora no Rio de Janeiro, dê uma volta no calçadão. Alguns velhos continuam acreditando que o espírito jovem não deixa o corpo envelhecer. E se transformaram em caricaturas patéticas deles mesmos.