quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O CLÃ

Entrar na sala de projeção e assistir às primeiras cenas de O CLÃ é comprometer-se com alguns sentimentos desconfortáveis. Revolta e indignação, por exemplo. Você fica pasmo diante de tanta frieza e incrédulo com algumas consequências letais da psicopatia humana. Nada é por acaso. Carinho e manipulação podem estar umbilicalmente interligados. Forever.

Pablo Trapero já disse a que veio faz algum tempo. Em seu mais recente ABUTRES escancarou a máfia dos seguros automotivos. Agora produz um suspense baseado em fatos reais. O caso Puccio escandalizou a argentina na década de 80 e já é o maior recorde de público na história do cinema argentino. 

O diretor fez um filme político, apesar das ações da família Puccio não terem como alvo os grupos clandestinos perseguidos , torturados e mortos pela ditadura argentina (1976 a 1983). Mas a conivência é clara e está presente em todo o filme.
Bandeirosa, a cumplicidade das Forças Armadas só diminui já nos últimos suspiros do regime de força e em plena era Alfonsín. E só então é possível enquadrar , prender e julgar os responsáveis.

O ex-presidente Alfonsin discursa na TV e enche de desencanto e desprezo o rosto de Archímedes, interpretado com devoção por Guillermo Francella, que os brasileiros conhecem por um papel coadjuvante em outro filme portenho, O SEGREDO DE SEUS OLHOS. Os olhos verdes do ator absorvem a loucura e transmitem todo o poder do mal que nós, humanos, somos capazes de cultivar e nutrir. Perversidade acalentada sem culpa por um dos personagens mais sombrios do cinema contemporâneo.

O suspense é mantido até os instantes finais, quando os letreiros finalmente esclarecem o destino dos integrantes da família Puccio. Uma fotografia em tom pastel acompanha o ambiente soturno e as imagens de horror, testemunhadas apenas algumas poucas vezes pelo espectador. Junte-se a tudo isso uma trilha sonora vibrante e em desalinho completo com o ambiente de loucura em que todos estão imersos e temos um belo filme. 

Merecido Urso de Prata para melhor diretor, este ano, em Berlim.