Feliz ano novo! Que 2016 seja um ano criativo e produtivo para todos.
Gosto de entrar no escurinho e, na hora de encarar novamente a luz do dia, ter a sensação de que o filme foi estimulante e me deixou com vontade de sair do cinema e sorrir diante do fato de que sim, continuamos por aqui, vivos, atentos e cercados de pessoas talentosas que nos encantam com suas criações.
SPOTLIGHT, de Thomas Mc Carthy, exerce esse poder. E mais: faz você se endireitar na cadeira para não perder os detalhes do ótimo roteiro escrito por Josh Singer e pelo próprio diretor.
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O tema é especialmente angustiante: o abuso sexual de crianças em dezenas de paróquias de Boston, Estados Unidos, ao longo de muitas décadas. Pedofilia no seio da Igreja e, por isso mesmo, pecado protegido pela instituição e pela alta sociedade bostoniana - católica de formação e hipócrita no acobertamento de crimes cometidos por padres em pleno exercício de suas funções educadoras ou litúrgicas.
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Atores e repórteres durante o Festival de Toronto, no Canadá. |
O time de atores enche os olhos do espectador. Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Brian d'Arcy James e Liev Schreiber quase nos convencem de que são mesmo editores e jornalistas investigativos do caderno Spotlight, do jornal Boston Globe. A postura, a dedicação e o trabalho duro de apuração dos fatos estão ali, sem firulas e sem glamur. E Stanley Tucci, na pele de um advogado solitário e abnegado, deixa claro porque é um dos melhores - e menos reconhecidos - atores de sua geração.
A impaciência, a pressão, a decepção, o medo, a insistência, a indignação, a ansiedade, todas essas sensações acompanham os personagens e a plateia durante os 128 minutos de projeção. Trata-se de um filme sobre o processo de produção e construção de uma história de múltiplos abusos sexuais que abalou o mundo e provocou várias mudanças, talvez menos do que as necessárias, na cúpula da igreja católica. É essa a história que Thomas Mc Carthy quer contar.
Ninguém é herói, o dramalhão não tem vez e os depoimentos das poucas vítimas funcionam como um reforço para o conjunto de denúncias que serão publicadas. Um único padre acusado revela, entre outras frases impactantes, que também foi abusado na infância. Pano rápido e pausa para o olhar incrédulo da repórter.
Jornalista investiga. Muitas vezes o trabalho é intelectual. Outras tantas o serviço pode ser entediante porque exige do profissional humildade para correr atrás da informação necessária. O que pode significar dias e dias de telefonemas e pesquisas em arquivos, relatórios e formulários. Até de repente descobrir que........ Bingo, os dados estão ali e confirmam as hipóteses levantadas até aquele momento. Alegria imensurável diante da constatação. A equipe comemora.
Todo jovem jornalista deveria assistir a SPOTLIGHT. Nem que seja pra comentar com amigos depois da sessão: "como eram trouxas aqueles repórteres. Todos se ajudavam e só não queriam que o concorrente desse a matéria antes deles. Mas e o melhor do time, não era premiado?".
Prêmio era sair e tomar um porre gostoso com os amigos.
E depois ganhar um Pulitzer e sair pra tomar mais um porre.