sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

EM TRÊS ATOS, O CORPO, A MORTE E A DESPEDIDA

Escrever embalsama o passado.  

Acho a frase incrível, ainda mais pronunciada com todas as letras e sílabas por Nathalia Timberg.
Quem escreveu foi Simone de Beauvoir. Quem bebeu nas letras da francesa revolucionária foi outra guerreira, a cineasta Lucia Murat. 

Desta vez a diretora de filmes como QUE BOM TE VER VIVA e A MEMÓRIA QUE ME CONTAM, entre outros, trouxe a velhice e a morte para o palco do cinema. EM TRÊS ATOS, somos aprisionados voluntariamente pela poesia do roteiro, pela beleza da fotografia, pelo vigor da montagem e pela força da dança de Angel Vianna e Maria Alice Poppe. Setenta e seis minutos de pura imersão no corpo, na morte e na despedida.


Lucia Murat segue fazendo um trabalho político e engajado. A diferença é que em vez das feridas e cicatrizes dos anos de chumbo, mergulhamos no universo do envelhecimento e da finitude. Somos testemunhas da contemporaneidade dos textos de Simone de Beauvoir, escritora morta em 1986 que virou de cabeça pra baixo os conceitos do feminino com o livro O SEGUNDO SEXO, de 1946, e a própria concepção de velhice, descrita e analisada com maestria em A VELHICE, de 1970.

A cineasta carioca foi buscar em dois livros da francesa (A VELHICE e UMA MORTE MUITO DOCE) o mote de seu roteiro. Junto com Nathalia Timberg  e Andréa Beltrão, Lucia faz ficção como se fosse documentário. É que os textos de Simone, para os mais desavisados, soam como depoimentos nas vozes das duas atrizes que interpretam um único personagem - na velhice e na idade adulta.

Com muito silêncios interligados apenas pela inspirada coreografia de duas bailarinas de gerações diferentes, extraída do espetáculo de dança QUALQUER COISA A GENTE MUDA, de João Saldanha, o filme transborda emoção e provoca  memórias. E é instigante porque traz o velho para o centro de uma sociedade que ainda tem medo de olhar para a velhice e para a morte.

Preste atenção nas imagens do corpo em estado de velhice pura. Poucas vezes o super close esteve tão a serviço da sétima arte. Não deixe de ver, mesmo que ainda não tenha chegado aos 40.   


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

FILMES QUE FAZEM SUCESSO... MAS NÃO ME AGRADAM


Fiquei uma semana sem aparecer por aqui porque tenho uma enorme dificuldade para escrever sobre filmes que não me agradam. Filmes que não correspondem às expectativas que deposito nesse ou naquele diretor ou roteirista. Ou películas de origem desconhecida que poderiam enriquecer o meu universo cinematográfico, mas acabam provocando enfado ou irritação. 

Foi um pouco de tudo isso que senti ao assistir MISTRESS AMÉRICA e SEM FILHOS. 

O que dizer da nova empreitada do diretor novaiorquino Naum Bambach e de sua musa, a atriz Greta Gerwig? Juntos, eles emplacaram FRANCES HA, em 2012, e agora apostam em MISTRESS AMÉRICA e no talento histriônico de Greta. Antes, Bambach também dirigiu o intrigante LULA E A BALEIA e, recentemente, o simpático ENQUANTO SOMOS JOVENS.

O que não me agrada em Mistress América é a essência do personagem de Greta Gerwig. Faltou sutileza ou sobrou alguma outra intenção na construção de Brooke, uma balzáquia arrogante e egoísta, incapaz de ouvir qualquer outra pessoa que não o próprio ego. Atualíssimo, pero aburrido. 

O filme foi elogiado e o quarentão Naum Bambach é sempre comparado, por alguns críticos, a Woody Allen. Não creio que Woody se identifique com os excessos de uma crítica social que parece não chegar a lugar nenhum. Já LULA E A BALEIA, de 2005, deve ter enchido de orgulho o mestre novaiorquino. 

Bom, é ver pra crer, não é mesmo? 

E aproveito o espaço para fazer uma observação também pouco elogiosa ao argentino SEM FILHOS,de Ariel Winograd: uma comédia romântica que começa com diálogos muito perspicazes e aos poucos vai caindo no batidão de "pai divorciado, com uma filha que mora com ele, namora moça que não quer ter filhos e por isso inventa muitas mentirinhas pra não perder a amada".   

O filme continua em cartaz no Rio. Mas podia ser muito mais. Não perco a fé na cinematografia portenha.