A reação teria sido um elogio, comentou um espectador, diante do que ele sentiu como perplexidade do público. Pode ser.
Na verdade, GARAPA é um filme sobre a fome. A fome brasileira e mundial retratada a partir do cotidiano de três famílias cearenses.
Ainda não vi o filme. Mas quero muito ver. Inclusive porque Padilha, desta vez, optou por um filme mais lento, com muito menos ação e sem a agitação da turma do BOPE. Isso quer dizer que seremos obrigados a olhar mesmo para as crianças famintas - com as pernas cobertas de feridas e moscas - e para a luta das famílias, principalmente das mulheres, na busca insana por alguma tipo de alimento.
GARAPA é um bebida feita de água e açucar que substitui o leite na mamadeira das crianças miseráveis.
O que achei ainda mais interessante foi Padilha ter chamado a atenção da mídia, em Berlim, ao exigir para o combate à fome o mesmo engajamento dos governos em relação à crise econômica mundial.
O diretor recheou com números o seu discurso. Em todo o mundo morrem, a cada dia, cerca de 16 mil crianças - de fome ou de doenças relacionadas à subnutrição. Padilha afirmou o que todos nós sabemos: os políticos ignoram o problema, que poderia ter sido resolvido utilizando os recursos aplicados em armamentos (1,5 trilhão de dólares gastos em 2008). "30 bilhões de dólares anuais bastariam para o combate à fome mundial. Mas o fenômeno, embora tão grave, continuou sendo ignorado também na era da crise econômica mundial. Já foram utilizados mais de um trilhão de dólares para salvar os bancos e a fome não é vista ainda como prioridade pelos políticos".
Até quando assistiremos a essa torneira gigante que despeja grana direto nos cofres falidos dos bancos? Bancos que foram as empresas mais lucrativas neste início de século 21?
Será que nenhuma mudança de comportamento, ideológica mesmo, surgirá desta crise globalizada? O capitalismo e seus maestros, feridos de morte, escolherão o contorcionismo como forma de agonia? E nós, atores e vítimas, adotaremos a dança do ventre para empurrar com a barriga a sucessão de crimes financeiros e o horror da fome que aflige pelo menos 900 milhões de pessoas em todo o planeta?
A ver. E sofrer.
Lamentavelmente, acho que o fato de "NÃO sermos ainda atores" (autônomos, responsabilizados) só contribui.
ResponderExcluirNossa justa indignação anda retórica, e a capacidade de transgressão anda adormecida.
Parabéns a você e ao Padilha,
BJS
Sabe o que me revolta nessa história toda, puxando a brasa para nosso país?
ResponderExcluirÉ que este filme será visto, comentado e somente aí veremos pessoas COMENTANDO e DESCOBRINDO que "nossa, que triste, né?" "Ah, a fome, que coisa".
E nos deparamos com isso todos os dias. Nas grandes cidades, nas pequenas, em todos os lugares.
Melhorou, vem melhorando, mas ainda falta muita coisa. Tem muita gente com fome, muita gente necessitada, muita gente precisando mesmo do bolsa família - e vi pessoas saindo de uma situação difícil mesmo graças a este programa ( não se trata de propaganda de governo ou lulismo ou seja lá o que for. É a real mesmo).
Acho bom que façam esse tipo de filme para causar alguma reação principalmente naqueles que pagarão R$ 15 ou 16 para assistí-lo ( tem sala de cinema que cobra esse absurdo).
Desculpe o desabafo, essas coisas me deixam meio revoltado e começo a escrever bobagem.
abração!
Cristina, você tem toda razão. Nossa capacidade de transgressão anda adormecida. Mesmo. Há tempos. Mas não entendi o que você quis dizer com
ResponderExcluir"Lamentavelmente, acho que o fato de "NÃO sermos ainda atores" (autônomos, responsabilizados) só contribui".
Groo, é isso mesmo. Pelo menos a gente desabafa. Mande brasa. Um grande abraço!
ATORES SOCIAIS! Entidades transeuntes da Vida já "TÃO autônomas e responsabilizadas", que (voltam a ser?) se tornam capazes de mobilização! Perdão! Não tinha me explicado mesmo!
ResponderExcluir+BJS!
Me bata uma “GARAPA”!. A fome brasileira atualizada no cinema.
ResponderExcluirMe bata uma garapa ou me faça uma garapa é uma expressão utilizada para desqualificar a alguém que nos chega com uma provocação barata; como de sarcasmo. Ramon Andrade pela internet diz tratar-se de um dito baiano que “... exprime um sentimento de um momento raivoso do tipo não me enrole, ou...”. No lugar comum desta expressão tentaremos alcançar uma critica sobre a veiculação cinematográfica do documental produzido pelo cineasta José Padilha – GARAPA. Assisti-lo nos tomou de assaltou o sentimento de raiva, misturado com constrangimento; isto pelo feito de entendermos como invasivo o olhar fotográfico aos corpos daqueles que pelas imagens projetadas nos chegou como remanescentes de aldeias indígenas; roubados legalmente no uso de terras brasileiras. Roubados e largados à própria sorte como se somente eles e mais ninguém pudessem ter participação nos roubos históricos estatais às populações indígenas e quilombolas. E, nisto da câmara invasiva, questionaríamos o porquê dela descansar a lente na nudez de uma criança do sexo masculino que (a despeito do que Padilha enfatiza na pretensão documental – a fome) parecia estar em plena forma de vitalidade física – subindo e descendo os muros do casebre. Outro sentimento foi à satisfação de pensar que a GARAPA, largamente batida pelos protagonistas do documentário pudesse significar uma desdita a soberba do diretor quando reduz toda a existência dos figurantes ao seu estomago. O Diretor afirma seu discurso imagético GARAPA no arauto da descoberta da fome no Brasil – Josué de Castro. Indagaríamos: existe alguma leitura critica da produção acadêmica à fome castreana?