sexta-feira, 24 de abril de 2009

SÃO JORGE EM CLIMA DE GUERRA

O Rio de Janeiro e o Brasil católico são devotos de São Jorge. Mas no Rio de Janeiro essa devoção virou até feriado. Nada contra. Mas vai ser muito bom se o dia 23 de abril, pertinho de outro feriado, voltar a ser um dia normal por aqui. A fé prescinde do feriado.
Ou não?

A cidade maravilhosa, assustada e anestesiada pela violência, reage pouco ao abuso e à agressividade de alguns cidadãos. Ontem, no meio da multidão, um homem jovem ameaçava, com um fuzil, os milhares de devotos de São Jorge que tentavam homenagem ao santo guerreiro, no bairro de Curicica. Em cima de uma viatura policial, mas em trajes civis, ele reinava absoluto sobre a platéia indiferente.
Indiferente?
É isso mesmo. Na foto que vi e que ainda não encontrei na internet, as pessoas aparentemente ignoram o homem armado. O fuzil, a milícia e o abuso já foram incorporados à paisagem urbana da nossa cidade.

Para onde estamos indo?

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Doutora Miserável

O final de semana chuvoso foi em João Pessoa.
Nas ruas, a pobreza de sempre. A ostentação, no Nordeste, é ainda mais agressiva do que por aqui, no sudeste maravilha.
Eu caminhava devagar, desligada, quando ouvi alguém me chamar: doutora, doutora, me dá uma ajuda? Não prestei atenção. Olhei de lado, vi o menininho, mas continuei a caminhar.
E de novo a vozinha, agora bem mais alta: doutora miserável! doutora miserável!
No Nordeste somos doutores e doutoras aos olhos de quem tem menos.
Fiquei fula da vida, olhei para o garoto. Junto com ele estavam um velhinho, uma carroça e um burro que comia cascas de melancia.
O velhinho permanecia em silêncio. No rosto, a expressão dos sábios que povoam os livros de autoajuda.
Olhou surpreso quando berrei de volta para o menino: que miserável que nada, apenas estou com pressa.... E depois voltou para o burro e para as melancias.
Fui até onde tinha que ir, fiz compras e tomei um café. Incomodada com minha reação e com o miserável que não parava de ecoar....
Na volta, o molequinho continuava lá. Agora deitado sobre a calçada, olhos fechados. O velhinho ajeitava algumas coisas na carroça.
Tirei um dinheiro da bolsa e me aproximei do velho. Ia deixar de ser miserável sem acordar o menino.
Mas ele acordou. E me olhou. Fui até ele e dei o dinheiro. E ainda disse: não sou tão miserável assim....
Patético?
O garoto levantou e se pendurou em mim. Beijou meu rosto e meu pescoço enquanto pedia desculpas. Desculpa, doutora. Desculpa, doutora.....
Abracei ele apertado.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A MORTE NÃO PEDE CARONA

No final de semana morreu a ex-mulher de um amigo.
Ela foi baleada no rosto, assassinada durante uma tentativa de assalto no bairro carioca de Bonsucesso. Assustada, pisou na embreagem em vez de frear o carro. O tranco assustou o bandido. O revólver disparou. E lá se foi uma jovem mulher, mãe de três filhas.

Nunca fomos próximas. Mas acompanhei com atenção a batalha dela pela sobrevivência e pela educação das filhas. E dei uma força quando ela quis aprender a dirigir.
Ela estava ao volante quando foi morta.
Será, será, será.................?

Foi também no final de semana que a tia de uma outra amiga caiu no golpe do sequestro via celular. Ficou horas negociando com os falsos sequestradores. Acabou levando jóias e dinheiro para o local determinado por eles. Perdeu tudo. E só depois entendeu que tudo não passou de uma pegadinha....

Faz tempo que a vida parou de ter valor no Rio de Janeiro e em outras tantas cidades do Brasil.
A morte ronda as esquinas com petulância.
O que ainda falta acontecer para que todos, juntos, declaremos estado de calamidade pública na capital mais bonita do país?
É normal voltar pra casa e pensar: "ufa, mais um dia sobrevivido na Faixa de Gaza Tupiniquim" ?

Para onde estamos indo?

sábado, 11 de abril de 2009

Crueldade na padaria

O rosto deveria ser inexplorável, quase inexpressivo. Mas no olhar fixo e sem piscadas o ódio era intenso. Aquele era um homem jovem, alto e magro. Um ser humano que poderia simplesmente fazer parte daquele cenário. Mas.......

Praticamente empurrou o rapaz para fora do estabelecimento. O ato de expulsar não foi explicitamente violento. A pressão dos dedos da mão sobre as carnes do indesejado não deixou dúvidas. Aquele homem jovem, alto e magro era um ser humano diferente. Poderia fazer parte de qualquer esquadrão - da morte, da milícia, do tráfico ou do colarinho branco.

Na rua, encostado numa parede, o dono do olhar cruel tentava se confundir com a paisagem. Aparentemente tranquilo. O corpo, no entanto, transpirava maldade. O objeto indesejado, agora do lado de fora do estabelecimento, ainda continuava por ali à espera de gestos de compaixão e boa vontade.

Fui em direção ao pedinte. Sabia que ele aguardava apenas o que chamaria, mais tarde, de caridade. Depositei algumas moedas na palma da mão encardida.
Antes de seguir o meu caminho, não sei por que fui até o homem, suposto segurança do local. O olhar era o mesmo. A voz saiu baixa quando falei que senti pena do sem-teto e resolvi dar-lhe algum dinheiro. Nem assim ele me encarou. Baixou a vista e ajeitou a cabeça, para em seguida focalizar novamente o objeto rejeitado. Senti a frieza do ódio depois de alguns passos. Virei para trás e rapidamente nossos olhos se cruzaram.

O baixo astral provoca arrepios. A maldade, calafrios. Incrível mesmo é que tudo isso aconteça numa manhã linda, de céu azul e gorjeios variados. E dentro de uma padaria.

Para onde estamos indo?

quinta-feira, 9 de abril de 2009

UMA AUSÊNCIA QUE ME INCOMODA

Minha proposta era tentar manter uma assuidade razoável neste blog. Afinal, a gente escreve para compartilhar o que vivemos e sentimos.
De um mês pra cá minha vida profissional deu uma guinada. Comecei a trabalhar longe de casa - bem longe. Entre a hora que acordo (4h30) e minha volta para casa (20h00) sobra pouco tempo para relaxar e dormir.
O novo ritmo é alucinante, apesar do desafio. É novidade. E coisas novas são sempre boas.
Mas são tantas coisa pra resolver que acabei deixando de lado o meu blog querido. Como disse a Cristina Montenegro, este espaço está " bem abandonadinho"...... Está mesmo.
Fico cheio de inveja quando leio - rapidamente - os blogs que tento visitar e acompanhar. Tá todo mundo escrevendo. Meu amigo Ricardo Soares sempre de vento em popa. O blog do Bourdoukan bombando, com o perdão da metáfora.... E ainda tem novos amigos que foram aparecendo desde dezembro, quando decidi começar a escrever ..... Groo, Urtigão, Balaio Porreta e muitos outros...

Pois então: parei tudo aqui no trabalho para mandar um beijo e um abraço. E pedir a vocês que não fujam e nem sumam. E que tenham paciência. Este é só um intervalo em que reorganizo minha vida e reequilibro energias e sensações.

um beijo para todos.

domingo, 29 de março de 2009

Aconteceu comigo....

Simplesmente ocorreu. Aconteceu. Concretizou-se.
O estranho e único momento em que somos fisgados por um lance de dados. A coincidência extrema. Talvez o destino que bata na porta ou uma conspiração de anjos a seu favor. O telefonema.
Os dias passavam mornos por fora, conturbados e revoltos no interior.
Calma aparente, amargura roendo um pedaço de alma.
As questões pessoais eram as mais comuns: valorização, autoestima, envelhecer com dignidade. A eterna espera por uma ligação que aprove ou não o projeto que vai mudar a sua vida para melhor.
Crise ou azar, a verdade é que os planos são derrubados um a um. E você se esforça para não sucumbir. Quase acredita na força do pensamento positivo. A energia existe, o teatro em torno dela é que incomoda.
E então você está atenta, apesar de um tanto quanto conformada quando compra 5 livros para não perder o hábito. E o telefone toca.
Não é quem você espera. Não é o que você espera. É uma voz conhecida, embora nada íntima. Um tom de convocação para um próximo passo inesperado. Você topa. E em 24 horas sua rotina vira de ponta cabeça.
Back in business. Você não desistiu.
Foi assim mesmo. Por conta de um único telefonema, às 10 da noite, quando você tinha certeza que nada interromperia a leitura do livro que acabou de comprar.
O acaso e os anjos são geniais.

domingo, 22 de março de 2009

A AMÉRICA DE CLINT EASTWOOD

Entrei no cinema para ver GRAN TORINO esperando um solo de Clint, ator politicamente envolvido com o partido republicano desde os anos 50 e considerado conservador nos moldes do chamado "progressismo" norteamericano.

O filme é mesmo um solo do eterno Dirty Harry, agora mais maduro e ainda mais amargo. Mas que solo.... e que roteiro subreptício, no bom sentido. Um retrato dolorido do "puzzle" no qual se transformou a sociedade americana. Um quebra-cabeça de culturas e costumes que transformaram as ruas das grandes e médias cidades dos Estados Unidos em guetos controlados por gangues das mais variadas procedências.

Um coroa americano racista, enlutado, amargo e grosseiro. A intolerância ambulante. E um subúrbio típico, dominado pelas tais gangues de latinos, asiáticos e negros. Nas ruas, ser bonzinho ou tentar encontrar um rumo na vida pode ser o passaporte para o inferno.

O filme é um manifesto contundente contra a intolerância e uma crítica bem humorada à ditadura do politicamente correto que invadiu o país de Obama. Num país que abriga imigrantes de todas as partes do planeta, os amigos contam piadas de judeus, italianos, polacos, irlandeses e negros. E depois tomam uma gelada sem culpa.

O final é melodrama puro. Mas a performance de Clint vale cada fotograma. Não faz mal que ele tenha feito campanha para Nixon e votado duas vezes em Schwarzenegger. Desde BIRD - um belíssimo filme (1988) sobre o grande Charlie Parker - acompanho com admiração todas as suas empreitadas.