quarta-feira, 22 de abril de 2009

Doutora Miserável

O final de semana chuvoso foi em João Pessoa.
Nas ruas, a pobreza de sempre. A ostentação, no Nordeste, é ainda mais agressiva do que por aqui, no sudeste maravilha.
Eu caminhava devagar, desligada, quando ouvi alguém me chamar: doutora, doutora, me dá uma ajuda? Não prestei atenção. Olhei de lado, vi o menininho, mas continuei a caminhar.
E de novo a vozinha, agora bem mais alta: doutora miserável! doutora miserável!
No Nordeste somos doutores e doutoras aos olhos de quem tem menos.
Fiquei fula da vida, olhei para o garoto. Junto com ele estavam um velhinho, uma carroça e um burro que comia cascas de melancia.
O velhinho permanecia em silêncio. No rosto, a expressão dos sábios que povoam os livros de autoajuda.
Olhou surpreso quando berrei de volta para o menino: que miserável que nada, apenas estou com pressa.... E depois voltou para o burro e para as melancias.
Fui até onde tinha que ir, fiz compras e tomei um café. Incomodada com minha reação e com o miserável que não parava de ecoar....
Na volta, o molequinho continuava lá. Agora deitado sobre a calçada, olhos fechados. O velhinho ajeitava algumas coisas na carroça.
Tirei um dinheiro da bolsa e me aproximei do velho. Ia deixar de ser miserável sem acordar o menino.
Mas ele acordou. E me olhou. Fui até ele e dei o dinheiro. E ainda disse: não sou tão miserável assim....
Patético?
O garoto levantou e se pendurou em mim. Beijou meu rosto e meu pescoço enquanto pedia desculpas. Desculpa, doutora. Desculpa, doutora.....
Abracei ele apertado.

5 comentários:

  1. Prezada Tânia, é verdade, no nordeste a ostentação fica mais evidente. A distância entre ricos e pobres é muito grande, as diferenças chegam a ser gritantes, terminando por deixar indignados e inconformados os mais humanistas, com tamanha miséria social que marginaliza grande parte da população pobre e carente da região, que vivem em total desamparo e abandono pelo estado. Quando estes têem algum problema de saúde, a morte fica mais perto, pois o atendimento em postos de saúde e hospitais da rede pública é péssimo. Nas ruas se vê homens e mulheres envelhecidos precocemente pelo sofrimento, fome e doenças, com os dentes careados e quando estes passam a doer a única alternativa é arrancá-los, entrando para o grupo dos desdentados. Muitos vivem com os filhos a pedirem esmolas e a catar latinhas de cervejas, garrafas pet e papelão nos lixos das portas das casas, antes que o caminhão os recolha. Nos lixões da periferia da cidade, podem ser encontradas famílias inteiras, que catam tudo que acham pela frente, muitas tirando dali o próprio sustento. O êxodo rural, com a vinda de famílias do campo para a cidade, veio piorar a situação, pois muitas tinham sua casinha e uma terrinha, que terminaram por vender, deixando o interior, pensando que a cidade lhes daria uma vida melhor. Ledo engano, aqui eles passaram a morar nas favelas, em barracos construidos com restos de madeira e papelão, vivendo em condições desumanas, num ambiente promíscuo e insalubre, onde as crianças são criadas cheias de doenças. Elas não frequentam escolas, são mal alimentadas e desde cedo são mandadas pelos pais, a saírem pelas ruas da cidade a mendigar nos cruzamentos e sinais, ou a pedirem de porta em porta, para que possam levar no final do dia, um dinheirinho ou um pouco de comida para casa. Interessante é que às vezes, a nossa elite burguesa, se comove com reportagens que vê na televisão de países da África, e não tem o mesmo olhar para seus compatriotas aqui tão pertinho. Um abraço, Armando.

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  2. Que pena que o menino não vá ficar sabendo que você, ao escrever aqui a comovente história de vocês, prove que está LOOOOOOOOGÉRRIMO de ser "doutora miserável", pois, compartilhando-a com o Mundo, demonstra (e exige!) generosidades, fraternidades, alteridades plausíveis.
    Seria bom (sem dúvida!); o SONHO dele seria alimentado, e permaneceria ainda mais vivo; ele é menino; ele os tem.
    Se é assim corajosamente "atirado", quem sabe não vai realizar algum?
    A história de vocês vai ficar aqui doada, exposta, espetando nossas consciências.
    Dirão: "-Mas ele não vai 'lucrar' com isso!"
    São gotinhas de beija-flores como essas que talvez venham a ajudar mais "concretamente" os bisnetos dele...
    É o que dá, no momento; e não é pouco.
    BJS!

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  3. Bonito, doutora. Um roteirinho pronto. So falta gravar.
    Abraço,
    Eliana

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  4. Oi Tânia querida! Não te vejo há quase mil anos. MAS bateu saudades de todo mundo. Viajei para 71 países e morei em 8. Vi duas guerras e vi morte e vida sem verina.

    Escrevi uma coluna num jornal do sul por dez anos. Um dia falei o que vocÊ falou sobre o nordeste. Foi triste, quase me mataram. O segredo mesmo é oi seguinte
    "Tudo, absolutamente tudo, não passa de uma grande mentira" - escrevi isso em 1998. É a única verdade.
    a mentira é conceitual, no congresso, nas empresas, nas ruas, nas redações, onde você estiver.
    Beijos
    dia desses te ligo.
    Alex Gutenberg

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  5. Alex querido, por onde andas? No Rio? Mande um sinal de fumaça par ao meu e-mail...Manda uma fotinho sua numa de suas andanças mis....

    Armando, Eliana, Groo, Cristina.... que bom ler vocês.
    um beijo para todos

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