quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NA ONDA DA CORRETAGEM IMOBILIÁRIA


RUTH & ALEX poderia ser um filme sobre casamentos duradouros e relações harmoniosas.
Também poderia explorar o envelhecimento de um típico casal novaiorquino de classe média. Ou ainda mostrar os obstáculos vividos por Ruth e Alex , ela branca, ele negro, ao longo dos últimos 40 anos. Mas não, nada disso. O diretor inglês Richard Loncraine estranhamente optou por uma história tipicamente americana, em que manias e preconceito enchem a tela e até mesmo o saco do espectador.

Loncraine prioriza a necessidade dos personagens de Diane Keaton e Morgan Freeman. Eles precisam vender e mudar de um belíssimo apartamento no Brooklyn. O motivo? Os lances de escada do prédio sem elevador deixam Alex e Dorothy, a simpática cachorrinha do casal, completamente extenuados.    


A partir dessa constatação, a plateia ou entra na onda imobiliária de Ruth e Alex ou começa a ficar com raiva dos corretores, uma categoria profissional retratada como um bando de histéricos sem ética e limites para conseguir, digamos, cumprir a meta do que lhes cabe vender. 

A talentosa Cynthia Nixon, a eterna Miranda de Sex and the City, coitada, passa o filme gritando um texto preconceituoso e revelador de como a sociedade em geral encara a velhice. Dá vontade de desenhar, pra que ela tente entender, que o casal em questão ainda não precisa de babás, babadores ou andadores.    

Sobre os conflitos provocados pelo racismo na época em que Alex e Ruth se casaram, a personagem de Diane Keaton faz apenas uma referência. Algo como "quando nos casamos nossa união ainda não era considerada legal". E ponto. Parágrafo. Segue o baile de amenidades. 

E então, entre " open houses", flashbacks e pequenos dramas familiares acompanhamos a saga de Ruth e Alex, dois idosos em busca de um apartamento com elevador em Nova York. 
Quer mais? Eu queria. Imaginei que o premiado diretor da série Band of Brothers e dos filmes Ricardo III e Winbledon fosse ao menos explorar, com humor britânico, a superficialidade e a mediocridade de vários aspectos da cultura do Tio Sam, especialmente o consumismo desenfreado. Mas não. A corretagem toma conta da telona e corre solta.

Você pode perguntar, depois desta crítica, se vale a pena ir até o cinema conferir RUTH & ALEX. Bom, eu fui, né mesmo? Gosto dos atores Morgan Freeman e Diane Keaton e também do cineasta Richard Loncraine, que tem uma carreira interessante. Mas nem sempre tudo é perfeito. 



terça-feira, 10 de novembro de 2015

O ÚLTIMO DIA DE PASOLINI

Ano passado fui ver WELCOME TO NEW YORK, do diretor Abel Ferrara, e saí antes do filme terminar. Gerard Dépardieu estava lá, imenso e imerso em infinitas surubas na pele do ex-poderoso Dominique Strauss- Kahn. Agora, em PASOLINI, Ferrara volta para a gavetinha de cineastas que admiro e cultivo ao rodar o que teriam sido as últimas 24 horas do cineasta italiano, assassinado há exatos 40 anos, em novembro de 1975.

Se fosse pra resumir o sentimento de enlevo que me acompanhou durante quase 90 minutos a resposta seria : William Dafoe. Que performance sensacional a desse ator que está entre os grandes talentos do cinema mundial. Aos 60 anos, veste com perfeição o figurino, os gestos, trejeitos e a expressão melancólica de Pasolini. 

Ferrara fez um filme introspectivo e poético sobre os momentos derradeiros do diretor de SALÓ OU OS 120 DIAS DE SODOMA, TEOREMA, O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS e CANTERBURY TALES, entre outros.  São conversas sobre trabalho, entrevistas e refeições em casa ou no restaurante, com amigos próximos e queridos.

Quem assistiu e gostou dos filmes de Pasolini ainda vai sentir o impacto diante das cenas de SALÓ, concluído pouco antes do assassinato que matou o diretor italiano aos 53 anos de idade. Numa época em que o fundamentalismo político e religioso conquista uma legião de fãs a crueldade das cenas, rodadas há quatro décadas, é quase profética. As situações são degradantes, a humanidade degradada. 

Uma outra narrativa corre em paralelo. E se você quiser curtir o filme entre na viagem de Abel Ferrara. Acompanhe os passos de Pasolini até a morte e também o que seria o seu próximo roteiro: uma busca pelo paraíso, o nascimento do Messias e o surrealismo de surubas e bacanais. A imaginação fértil e surpreendente de um artista que deixou, entre muitos legados, uma frase boa de ouvir e ótima para agir: Escandalizar é um direito, e se escandalizar é um prazer".
     

domingo, 8 de novembro de 2015

AS MULHERES, OLMO E A GAIVOTA

Acho ótimo que OLMO E A GAIVOTA tenha recebido o prêmio de melhor documentário do Festival do Rio deste ano. Em tempos de intolerância e aumento do preconceito contra a liberdade feminina de escolher o que deseja fazer com o seu próprio corpo, o filme vem a calhar. Traz à tona um universo muito particular às grávidas : as limitações impostas pelo corpo e pela própria sociedade, ainda dominada por homens que crêem entender a intimidade feminina.

Também é atraente acompanhar o conflito de Olivia Orsini, uma atriz italiana em plena atividade no Théatre du Soleil, em Paris, onde ensaia " A Gaivota", de Tchekov. Ela se descobre grávida e, em seguida, recebe a notícia de que sua gravidez é de alto risco. É obrigada a interromper completamente sua rotina de trabalho como atriz. A interrupção provoca dúvidas, medos e questionamentos sobre a maternidade.

Creio que muitas mulheres se identifiquem com os conflitos vividos por Olivia. Gente que sentiu que ser mãe talvez não fosse o melhor dos mundos em alguma etapa específica da existência. No caso de Olivia, interromper o trabalho é um baque. Presenciar o marido em plena atividade, então, mais difícil ainda. Essa dificuldade, alías, é responsável por belos momentos do filme. Instantes em que atriz que habita a pele da italiana expressa com exuberância a voz e a delicadeza da atuação. 

Gosto dos vários idiomas falados pelos personagens durante o filme dirigido por Petra Costa (diretora do já cult HELENA) e Lea Glob. A sensação é de um mundo maior e mais inteligente do que o imposto por fronteiras físicas, políticas ou religiosas. 

Ficção e realidade estão ali, misturadas, durante toda a projeção. Mas algo me incomoda no retrato, nos relatos, nas interferências da diretora e nas reações de Olivia, confinada em seu apartamento. E o incômodo vem do excesso de egos em questão, uma viagem que se mostra  quase um labirinto. Olivia, Serge (o marido), Petra (a diretora), personagens que me parecem demasiado autocentrados para um mundo já excessivamente individualista, como este que vivemos, em pleno século 21.

Tomo emprestado um parágrafo do texto de Marcelo Hessel sobre o filme, publicado no site Omelete: "Da mesma forma que Elena se contentava em se alimentar do mistério, sem fazer ou responder questões importantes sobre a irmã de Costa, Olmo e a Gaivota também cria um véu de um acordo criativo cuja finalidade nunca fica clara". 

Em algum momento do filme Olivia diz que " no teatro nos sentimos protegidos de tudo". Se a proteção existe ou é construída pela pessoa que também é atriz, sem ela o filme poderia ser mais questionador e menos contemplativo.    

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

UM POSSÍVEL DIÁLOGO SOBRE ENVELHESCÊNCIA ENTRE DUAS MULHERES PORRETAS




Simone Beauvoir (9/01/1908 - 14/04/1986):

Sinto vontade, sabe? Quero correr riscos, afundar nas buscas pela felicidade, entender a engrenagem da dor e descobrir como as perdas se acomodam na memória. Ainda espero encontrar uma paixão no boteco mais próximo e não tenho dúvidas de que posso ser cada vez melhor na minha profissão.



Gertrude Stein (3/021874 - 27/07/1946):

Você tem vontade, claro, mas quando está no batidão de todos os dias ou no meio da multidão é invadida por uma sensação de não pertencimento, uma espécie de transparência quase invisível que não reflete a sua gana, a sua curiosidade.


Simone:
Você percebe que o erotismo ainda domina emoções e decisões, mas seu corpo é praticamente invisível para um imenso universo de homens e mulheres. Esgota-se o tempo de trabalho útil e remunerado. Esses sinais, sutis, marcam o início do outono. No inverno da vida você ainda será a mesma menina agitada. A não ser, provavelmente, pela imagem que o espelho mostrará todos os dias até o fim. Aqui do lado de fora, no entanto, vez ou outra alguém poderá se manifestar na fila de um ônibus: quer ajuda para subir a escada? Sente-se aqui, faço questão.... 

Gertrude:
Então é isso a velhice? Paixão, desejo, curiosidade, atividade sexual em declínio, decepção, desemprego, aprendizado e esquecimento?

Simone:
Quase isso. Faltou acrescentar que no grand finale mergulharemos no abismo possivelmente anunciando, aos quatro ventos, as perguntas que fizemos desde sempre.   

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

LUTA PELA DIGNIDADE NA ISRAEL DO SÉCULO 21

É uma torcida apreensiva. Viviane Amsalem quer se divorciar porque não ama mais o marido. Mas o desenlace feliz para ela depende dele, do homem com quem viveu por quase 30 anos. É assim que as coisas se passam nos tribunais israelenses do século 21.Um tribunal rabínico ignora o desespero e a vontade de Viviane. E enrola por quase 5 anos a decisão sobre o divórcio. 
É que em terras de Benjamin Netanyahu o baile só começa quando o homem concorda com o pedido de divórcio. Se a resposta for não dane-se a companheira. 
Ela é interrogada com desprezo pelos próprios juízes e raramente consegue emitir alguma opinião. Se fala sem ser chamada é ameaçada. Quando explode deixa atônitos os homens do tribunal. Mulher ali é tentação do demônio, só não saca quem não viu.

Para a plateia feminina, a sensação de desconforto é muito forte. Viviane saiu de casa, tenta o divórcio. A menor suspeita de que possa ter cometido um adultério ouriça juízes, marido emburrado e testemunhas, inclusive mulheres. 

O JULGAMENTO DE VIVIANE AMSALEM é um belo filme que incomoda. Mas não cansa. A todo momento nos deparamos com novos olhares, pequenos gestos, um universo de significados que atropelam nossas certezas ao longo das inúmeras idas de Viviane e do marido (ex) Elisha ao tribunal.

A atriz Roni Elkabetz dirige o filme com o irmão Shlomi Elkabetz. Ela também encarna com perfeição a angústia de Viviane. Os atores brilham e a fotografia contribui para que a claustrofobia que sentimos não seja interrompida nem quando nossos personagens estão na sala de espera do tribunal. 

Um roteiro ágil, bem escrito. Um filme barato, com apenas uma locação. E um resultado que agrada porque trata de um tema caro às mulheres deste século: o machismo  impregnado na cultura de uma Israel moderna, uma nação ainda submissa ao fundamentalismo religioso.  

Já vimos esse filme por aqui também. Mas ouvir os diálogos em hebraico talvez seja um incentivo para que não deixemos cair a peteca pela luta da dignidade feminina - em terras tupiniquins ou no deserto impiedoso do Oriente Médio.


domingo, 1 de novembro de 2015

MISTÉRIOS DA ALMA E DO CASAMENTO


Então você está comemorando 45 anos de casada e já marcou uma festa de arromba na cidadezinha inglesa onde mora há décadas. Seu marido é cúmplice, amigo e companheiro. Até o sexo ainda espreita, entre lençóis e lembranças, a vida feliz do casal. Eis que uma memória quase segredo emerge do passado. Um outro amor, uma outra parceria. Possibilidades enterradas que despertam novos desejos. 45 ANOS (45 Years), filme do inglês Andrew Haigh que estreia no circuito, traz em ritmo mais lento que o habitual uma nova realidade dos personagens Kate e Geoff - vividos com dedicação absoluta pelos sensacionais Charlotte Rampling e Tom Courtenay. A fragilidade do marido e a segurança da mulher são descontruídos diante do espectador. Uma angústia sem fim toma conta de Kate. Somos testemunhas quase incrédulas de um comportamento que não encaixa na fantasia que alimentamos sobre casamentos duradouros entre setentões. E sim, minha amiga, lá estão o ciúme, a desconfiança, a inveja e o ressentimento que transformam em inferno a vida de quem imaginávamos estável, equilibrada e encarando com tranquilidade as armadilhas sorrateiras da velhice. Com expressões corporais, faciais e pequenos gestos entendemos que há mistérios do passado que desestabilizam relações conjugais e produzem emoções que julgávamos dormentes na adolescência. Outro filme pra gente grande. Mas que aconselho também aos muitos jovens e aos que acreditam que os mistérios da existência e da alma são muito maiores que as relações conjugais. Mergulhe!

REFORMA NO BLOG

Recomeço hoje a escrever meu blog. Há alguns anos, quando comecei a escrever neste espaço, a ideia era discutir e refletir sobre vários temas. Mas acho que foco é uma palavra mágica. Por isso vou tentar escrever sobre cinema e sobre a complicada arte de envelhecer sem perder o viço, o brilho e a curiosidade. É isso que pretendo construir por aqui. Afinal, seja no escurinho do cinema, na intimidade do quarto de dormir ou na mesa do computador escolhemos os caminhos que desejamos percorrer. Bem vindos mais uma vez!