quinta-feira, 5 de novembro de 2015

UM POSSÍVEL DIÁLOGO SOBRE ENVELHESCÊNCIA ENTRE DUAS MULHERES PORRETAS




Simone Beauvoir (9/01/1908 - 14/04/1986):

Sinto vontade, sabe? Quero correr riscos, afundar nas buscas pela felicidade, entender a engrenagem da dor e descobrir como as perdas se acomodam na memória. Ainda espero encontrar uma paixão no boteco mais próximo e não tenho dúvidas de que posso ser cada vez melhor na minha profissão.



Gertrude Stein (3/021874 - 27/07/1946):

Você tem vontade, claro, mas quando está no batidão de todos os dias ou no meio da multidão é invadida por uma sensação de não pertencimento, uma espécie de transparência quase invisível que não reflete a sua gana, a sua curiosidade.


Simone:
Você percebe que o erotismo ainda domina emoções e decisões, mas seu corpo é praticamente invisível para um imenso universo de homens e mulheres. Esgota-se o tempo de trabalho útil e remunerado. Esses sinais, sutis, marcam o início do outono. No inverno da vida você ainda será a mesma menina agitada. A não ser, provavelmente, pela imagem que o espelho mostrará todos os dias até o fim. Aqui do lado de fora, no entanto, vez ou outra alguém poderá se manifestar na fila de um ônibus: quer ajuda para subir a escada? Sente-se aqui, faço questão.... 

Gertrude:
Então é isso a velhice? Paixão, desejo, curiosidade, atividade sexual em declínio, decepção, desemprego, aprendizado e esquecimento?

Simone:
Quase isso. Faltou acrescentar que no grand finale mergulharemos no abismo possivelmente anunciando, aos quatro ventos, as perguntas que fizemos desde sempre.   

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

LUTA PELA DIGNIDADE NA ISRAEL DO SÉCULO 21

É uma torcida apreensiva. Viviane Amsalem quer se divorciar porque não ama mais o marido. Mas o desenlace feliz para ela depende dele, do homem com quem viveu por quase 30 anos. É assim que as coisas se passam nos tribunais israelenses do século 21.Um tribunal rabínico ignora o desespero e a vontade de Viviane. E enrola por quase 5 anos a decisão sobre o divórcio. 
É que em terras de Benjamin Netanyahu o baile só começa quando o homem concorda com o pedido de divórcio. Se a resposta for não dane-se a companheira. 
Ela é interrogada com desprezo pelos próprios juízes e raramente consegue emitir alguma opinião. Se fala sem ser chamada é ameaçada. Quando explode deixa atônitos os homens do tribunal. Mulher ali é tentação do demônio, só não saca quem não viu.

Para a plateia feminina, a sensação de desconforto é muito forte. Viviane saiu de casa, tenta o divórcio. A menor suspeita de que possa ter cometido um adultério ouriça juízes, marido emburrado e testemunhas, inclusive mulheres. 

O JULGAMENTO DE VIVIANE AMSALEM é um belo filme que incomoda. Mas não cansa. A todo momento nos deparamos com novos olhares, pequenos gestos, um universo de significados que atropelam nossas certezas ao longo das inúmeras idas de Viviane e do marido (ex) Elisha ao tribunal.

A atriz Roni Elkabetz dirige o filme com o irmão Shlomi Elkabetz. Ela também encarna com perfeição a angústia de Viviane. Os atores brilham e a fotografia contribui para que a claustrofobia que sentimos não seja interrompida nem quando nossos personagens estão na sala de espera do tribunal. 

Um roteiro ágil, bem escrito. Um filme barato, com apenas uma locação. E um resultado que agrada porque trata de um tema caro às mulheres deste século: o machismo  impregnado na cultura de uma Israel moderna, uma nação ainda submissa ao fundamentalismo religioso.  

Já vimos esse filme por aqui também. Mas ouvir os diálogos em hebraico talvez seja um incentivo para que não deixemos cair a peteca pela luta da dignidade feminina - em terras tupiniquins ou no deserto impiedoso do Oriente Médio.


domingo, 1 de novembro de 2015

MISTÉRIOS DA ALMA E DO CASAMENTO


Então você está comemorando 45 anos de casada e já marcou uma festa de arromba na cidadezinha inglesa onde mora há décadas. Seu marido é cúmplice, amigo e companheiro. Até o sexo ainda espreita, entre lençóis e lembranças, a vida feliz do casal. Eis que uma memória quase segredo emerge do passado. Um outro amor, uma outra parceria. Possibilidades enterradas que despertam novos desejos. 45 ANOS (45 Years), filme do inglês Andrew Haigh que estreia no circuito, traz em ritmo mais lento que o habitual uma nova realidade dos personagens Kate e Geoff - vividos com dedicação absoluta pelos sensacionais Charlotte Rampling e Tom Courtenay. A fragilidade do marido e a segurança da mulher são descontruídos diante do espectador. Uma angústia sem fim toma conta de Kate. Somos testemunhas quase incrédulas de um comportamento que não encaixa na fantasia que alimentamos sobre casamentos duradouros entre setentões. E sim, minha amiga, lá estão o ciúme, a desconfiança, a inveja e o ressentimento que transformam em inferno a vida de quem imaginávamos estável, equilibrada e encarando com tranquilidade as armadilhas sorrateiras da velhice. Com expressões corporais, faciais e pequenos gestos entendemos que há mistérios do passado que desestabilizam relações conjugais e produzem emoções que julgávamos dormentes na adolescência. Outro filme pra gente grande. Mas que aconselho também aos muitos jovens e aos que acreditam que os mistérios da existência e da alma são muito maiores que as relações conjugais. Mergulhe!

REFORMA NO BLOG

Recomeço hoje a escrever meu blog. Há alguns anos, quando comecei a escrever neste espaço, a ideia era discutir e refletir sobre vários temas. Mas acho que foco é uma palavra mágica. Por isso vou tentar escrever sobre cinema e sobre a complicada arte de envelhecer sem perder o viço, o brilho e a curiosidade. É isso que pretendo construir por aqui. Afinal, seja no escurinho do cinema, na intimidade do quarto de dormir ou na mesa do computador escolhemos os caminhos que desejamos percorrer. Bem vindos mais uma vez!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

SALTITANTE... MAS NÃO GALOPANTE!

Começou o ano novo. Veio rápido e já passa por nós com olhos de "eu sei o que vocês fizeram no verão passado".
No meio do mato soprei mais uma velinha. E posso garantir que caminho a passos largos - com alguns tropeços - para me tornar uma velhinha pra lá de saltitante. Saltitante, anotem, e não galopante. Mente quase ereta, cabeça inquieta - às vezes extenuada - , sorriso no canto dos olhos e alguns novos mantras ensinados por um grande amigo durante minha temporada na montanha. Além de gargalhadas. Muitas.

A querida Senhora Dona Urtigão comentou minha última postagem de 2010:"Pois vamos envelhecer em (é EM mesmo?) teoria, pois na prática isso é um tanto relativo".

Não sei se captei a intenção do comentário, mas penso que o envelhecimento ocorre na prática todos os dias, sem nenhuma relatividade. Na teoria podemos discutir posturas cotidianas. Mas o processo é inexórável, inevitável.

Ah! Tem outro tema muito caro a todos nós, envelhescentes: saúde. Lembram como esse não era um assunto em pauta alguns anos atrás?
Já sacaram como a batalha para preservar a saúde é um must em todas as rodinhas ou encontros de amigos?
A observação não é crítica. Longe disso. Saúde é mesmo fundamental para a minha geração. Fomos pródigos em exageros e trangressões. E a cobrança respinga inevitavelmente na saúde.

Que 2011 nos deixe mais solidários e cúmplices. E que as tragédias possam, de fato, ser evitadas e/ou minimizadas.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Até 2009

Em 2011 o tema envelhecer continuará firme por aqui.
Agradeço aos amigos que enviaram os textos que foram publicados
aqui.
Foi ótimo retomar o blog. Vamos ver o que o ano novo nos reserva.
Um beijo estalado para todos.

sábado, 18 de dezembro de 2010

VIVER MUITO É CONTABILIZAR PERDAS? (por Cecilia Thompson)

De fato, o ruído do tempo é enorme.Tenho agora indesejados 74 anos (não me venham com melhor idade que eu mato!). Acho que somente agora entendo o quadro geral, ainda assim mais ou menos. Como escreveu Vittorio Gassman, "a experiência é um farol de milha - pena que esteja voltado para trás". Pois é.

Aos 74 e quase meio, também detesto e rejeito! melhor idade é qualquer uma, desde que a gente esteja bem; eu, de moça, não entendia essa insistência dos mais velhos na tal da 'saúde', mas hoje me felicito por estar bem - embora tenha medos, claro, porque Alzheimer na família da mamãe é uma constante, e meu psiquiatra (...atra mesmo, pois há 12 anos fui atingida, como por um tsunami, por uma depressão quase fatal, hoje controlada com remédio - permanentemente sob vigilância, na jaula de onde me rosna) me avisou que tenho 52% de possibilidades, etc etc etc. enfim: quem viver verá. E ,se eu não perceber, pior para os filhos (que é o que mais me apavora, não quero dar trabalho a ninguém).
Outra coisa: se me mandarem prum bailinho da tal da terceira idade (acho que já estou na quinta!) ou jogar dominó na pracinha, eu também MATO!

Um casamento daquele tempo que durou. Mas há outros (nenhum meu, claro). Namorei um pouco bastante, tive um grande amor (Hamlet - esse o nome - jornalista, mora hoje nos Estados Unidos) no começo dos anos 80, viajei muito, 'casei' de novo em 90 com um rapaz 25 anos mais moço do que eu. C. era lindo, além de tudo um grande amigo, soropositivo, e cuidei dele (e nos divertimos!) durante cinco anos, até que ele morreu, aos 30. Eu estava com 55, e me fechei para o mundo. Cinco anos depois, quando consegui 'me abrir' e olhar de novo para os homens, aos 60 anos, ninguém mais me olhava, claro, e assim vou vivendo até os 74 e meio, que se completarão no dia 29 de dezembro. Depois 75, em junho de 2011... e quando me perguntam qual é a primeira coisa que vejo à frente, quando penso no futuro, me divirto dizendo que é o crematório da Vila Alpina - que tenho frequentado muito mais do que gostaria. Será que viver muito é contabilizar perdas?

Trabalhei 34 anos no Estadão - comecei tradutora e acabei ouvidora - de onde fui o último dinossauro demitido, em outubro de 2008. Não consigo pensar em parar de trabalhar - e sei que vc me entende.
Fiz amigos, mais jovens, dou aula no Curso de Focas do Estadão, perdi muitos amigos mais velhos, da minha idade ou mais jovens também.

Falando em idade: um amigo antigo e querido diz que só conhece duas, vivo e morto. Serve.