domingo, 17 de janeiro de 2016

APOSTA NA BOA FÉ DOS MORTAIS

Um crítico de cinema americano escreveu que A GRANDE APOSTA ou THE BIG SHORT poderia ser definida como uma " American Horror Story". É, pode ser. Mas uma história de horror escrita com a dose perfeita de cinismo, crueldade, indignação e bom humor, coisa rara nos dias de hoje. 

O diretor Adam McKay deve ter sentado com o roteirista Charles Randolph para dar um tapa no roteiro e, depois de muitos rascunhos, chegou à seguinte conclusão, compartilhada com o parceiro: " pinga as  gotas roxas no seu chazinho enquanto eu misturo as ervas na minha vitamina e.... mandamos bala. Esse roteiro tem que ser rodado com os sentidos alterados pra tentar chegar minimamente perto da sacanagem que essa turma do dinheiro, o tal do Sistema, organizou contra todos nós em 2008".

E assim foi. Ou imagino que tenha sido construída essa adaptação do livro reportagem de Michael Lewis - A JOGADA DO SÉCULO - para o cinema.

O resultado é que nós, espectadores, recebemos a carga de adrenalina necessária para acompanhar uma sequência maluca de diálogos em "financês" que, aos poucos, vai fazendo todo o sentido. A montagem, sensacional, utiliza recursos sonoros e audiovisuais a explicar o que, afinal, foi essa tal bolha que estourou e deixou milhões de pessoas sem casa e sem emprego. Uma história contada com a ousadia necessária para não permitir que pairem dúvidas sobre quem são os bandidos desse esquema fraudulento que até hoje não condenou sequer um banqueiro celebridade. 

Não vou esquecer a explicação do chef Anthony Bourdain para o que vêm a ser os tais bônus ou papéis que enriqueceram investidores mundo afora: um suculento refogado de cortes de peixe recusados para compor o prato principal. Mistura-se tudo no panelão e entorna-se goela abaixo do trouxa que acreditou na solidez do mercado imobiliário americano e internacional. 




Um elenco de estrelas conta essa história de carochinha das hipotecas com brilho singular. Gosto de Christian Bale como o investidor bizarro e antissocial que começa a apostar contra o mercado. Steve Carrell compõe com o talento habitual o cara angustiado com o horror que se aproxima, mas que também não quer se dar mal. Brad Pitt faz o gênero "good guy arrependido" que sem deixar o bom mocismo de lado, entra no jogo para enriquecer dois jovens discípulos e ainda colocar mais unzinho no bolso.

A montagem de Hank Corwin é tão ágil quanto os diálogos pra leigo nenhum entender. São falas que plantam gradualmente, em nossos cérebros fatigados, a semente da náusea. Um enjôo nauseabundo com gosto de atraso - quase oito anos depois. A diferença é que  em 2016 sabemos que praticamente todos os bandidos, além de se safarem, ainda receberam um generoso socorro do Sistema. 

Vai mais um chazinho? Ou prefere a vitamina? 

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